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Ajuda federal é um terço das isenções fiscais do Rio

19 de junho de 2016
Obrigado a decretar estado de calamidade pública financeira para poder receber ajuda federal e honrar seus compromissos com os Jogos Olímpicos, o governo do Rio vai dar em isenções fiscais o triplo do que o que receberá em ajuda do governo federal.

O auxílio estimado em R$ 2,9 bilhões ao governo do Rio equivale a um terço das isenções fiscais a serem concedidas no Estado neste ano, estimadas em R$ 8,7 bilhões pela Secretaria de Planejamento e Gestão.

A renúncia fiscal é alvo de auditorias do TCE (Tribunal de Contas do Estado), que aponta descontrole na concessão do benefício. Segundo técnicos do órgão, a perda de receita pode ser até três vezes maior.

O Rio decretou na sexta (17) estado de calamidade pública em razão da crise financeira na administração. Uma das razões apontadas são os compromissos assumidos para a organização da Olimpíada.

A auditoria do TCE diz que há descontrole até na renúncia fiscal para o evento.

Segundo o tribunal, o sistema da Secretaria de Fazenda registra só uma empresa beneficiária da isenção concedida para fornecedores do evento entre 2010 e 2014, num total de R$ 60 mil.

No mesmo período, o comitê organizador da Rio-16 assinou mais de 2.000 contratos com fornecedores, grande parte elegível a receber o benefício.

Segundo relatório aprovado em março, o descontrole permite que empresas sem relação com os Jogos usufruam de vantagens irregularmente.

A concessão de isenções fiscais é alvo de críticas no Rio desde o agravamento da crise financeira. Projeto de lei na Assembleia Legislativa prevê a proibição de novas renúncias por quatro anos.

O governador em exercício, Francisco Dornelles, concorda com a suspensão por dois anos. Contudo, até o momento, o projeto não foi a votação.

RENEGOCIAÇÃO

O economista Claudio Porto, presidente da consultoria Macroplan, defende que o Estado renegocie as regras de isenção inclusive com as empresas já beneficiadas. Ele considera que o corte unilateral de vantagens já concedidas pode ser considerada “quebra de contrato”.

“O que poderia ser feito é negociar com as empresas um período de transição para acabar com os incentivos, talvez ao longo de dez anos. E criar regras de transição”, disse o consultor, que tem clientes no setor público.

A economista Margarida Gutierrez, do Coppead/UFRJ, diz que o valor renunciado pelo Estado faria “muita diferença” para os cofres público do Rio, mas concorda que cortar os benefícios concedidos seria arriscado.

O deputado estadual Luiz Paulo (PSDB), autor do projeto, afirma que “a renúncia fiscal virou uma avalanche e se perdeu o controle dela”.

“Estamos em um momento em que não podemos abrir mão de nem R$ 1”, disse.

OUTRO LADO

A Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico afirma que os incentivos fiscais são essenciais “na atração de novas indústrias e na manutenção de investimentos para o Estado”.

“A concessão de incentivos não só é benéfica pela atração da indústria em si como pelo desenvolvimento de uma cadeia de fornecedores, além da prestação de serviços que é estimulada por investimentos.”

Para o governo, suspender a concessão dos benefícios afetaria a competitividade na disputa por atração de indústrias. “Seria como se estivéssemos em uma guerra usando estilingue enquanto o outro lado usa [o fuzil] AR-15.”

A secretaria afirmou que 70% das isenções dadas foram concedidas em nível federal, no âmbito do Confaz.

A pasta diz ainda que as isenções dadas por iniciativa do Estado em 2015, calculada em R$ 2,9 bilhões, renderam três vezes mais em arrecadação de ICMS.

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PERGUNTAS E RESPOSTAS

1) O que é o estado de calamidade pública?

De acordo com a lei, “situação de alteração intensa e grave das condições de normalidade em um determinado município, Estado ou região, decretada em razão de desastre, comprometendo substancialmente sua capacidade de resposta”; precisa ser decretado em publicação oficial do Estado ou município e reconhecido pelo Poder Executivo federal em no máximo dez dias.

2) Quais os efeitos do estado de calamidade na administração?

O decreto cria uma “situação jurídica especial”, que permite a emissão de créditos adicionais extraordinários, ou seja, autorizações de despesas não computadas na Lei de Orçamento; dispensa a obrigatoriedade de licitações para contratação de obras e serviços. O decreto do governo do Rio autorizou as “autoridades competentes” a adotar “medidas excepcionais necessárias à racionalização de todos os serviços públicos essenciais, com vistas à realização dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos Rio 2016”.

3) Quanto tempo dura a decretação do estado de calamidade?

180 dias a contar de sua publicação no “Diário Oficial”.

4) O estado de calamidade pode ser decretado por questões financeiras?

Não há unanimidade entre especialistas. A instrução normativa do Ministério da Integração Nacional que regula o assunto diz que é necessária a ocorrência de “desastre de grande intensidade”.

4) O que é “desastre”?

É definido como “resultado de eventos adversos, naturais ou provocados pelo homem sobre um cenário vulnerável, causando grave perturbação ao funcionamento de uma comunidade ou sociedade, envolvendo extensivas perdas e danos humanos, materiais, econômicos ou ambientais, que excede a sua capacidade de lidar com o problema usando meios próprios”. O conceito traz implícita a noção de imprevisibilidade. Para que um desastre seja classificado como “de grande intensidade”, precisa ter causado certos danos humanos, materiais, ambientais ou perdas econômicas.

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CRONOLOGIA DA CALAMIDADE

1º.jan.2015

O governador Pezão anuncia corte de 20% em todas as secretarias

23.dez.2015

PEzão decreta situação de emergência na saúde. Governo federal anuncia repasse de R$ 155 milhões ao Estado, e a Prefeitura do Rio anuncia empréstimo da ordem de R$ 100 milhões.

> No mesmo mês, o governo do Rio abole os subsídios ao transporte público criados após as manifestações em 2013, que tinham como origem a crítica à tarifa no setor.

31.dez.2015

Ministério da Saúde libera a primeira parcela de R$ 45 milhões para ajudar a combater o caos na rede estadual de saúde

5.jan.2016

Prefeitura anuncia que assumiria a gestão de dois hospitais estaduais: o Albert Schweitzer e o Rocha Faria, ambos na zona oeste da cidade.

4.fev.2016

Secretaria Estadual de Planejamento e Gestão anuncia que prevê rombo de R$ 18,4 bilhões.

18.abr.2016

Sob pena de arresto de R$ 1,07 bilhão das contas do Estado, Justiça do Rio determina que o Rioprevidência pagasse a aposentados e pensionistas que não haviam recebido seus vencimentos de março.

26.abr.2016

Justiça arresta R$ 648 milhões das contas estaduais para pagar aposentados e pensionistas que não receberam.

9.jun.2016

Dornelles anuncia pacote de cortes que englobam a suspensão do Renda Melhor; restrições do Bilhete Único; extinção de cinco secretarias e restrição de 30% nos gastos com custeio ou pessoal. A economia com as medidas vai de R$ 1 bilhão a R$ 2 bilhões, insuficiente para cobrir o rombo calculado em R$ 19 bilhões no orçamento do Estado.