Estratégia organizacional

Transição do portfólio de negócios das grandes empresas de petróleo exige estratégias coordenadas

19 de abril de 2018

DO VALOR ECONÔMICO – REVISTA SETORIAL ENERGIA
– PRESENÇA DOMINANTE POR MUITO TEMPO –

Potencial de exploração no Brasil favorece estratégia da Petrobras e não impacta oferta de produtos da empresa.
(Por Simone Goldberg)

Enquanto os combustíveis fósseis se encaixarem em uma equação econômica viável, eles continuarão a dominar a matriz energética mundial. Além disso, como observa o sócio-líder do Centro de Energia e Recursos Naturais da consultoria EY, Carlos Assis, há um ciclo de investimentos que está se iniciando com as recentes rodadas de licitação de área de exploração de petróleo no Brasil e as potencialidades das reservas do pré-sal, com novos leilões previstos.

O consultor estima que em menos de vinte anos dificilmente ocorrerá uma mudança de maior impacto na oferta de produtos da Petrobras, embora haja um consenso na indústria mundial e energia que aponta para o caminho das “revoluções das renováveis” – e essas fontes ganharão presença bem mais significativa que a atual na matriz energética.

“Mas não há consenso sobre em quanto tempo esse cenário vais ser atingido”, observa Assis. Essa “revolução” faria a participação dos combustíveis fósseis na matriz mundial cair de cerca de 80% para 56% enquanto as renováveis praticamente dobrariam sua participação, chegando a quase 30%. Estes dados reforçam a percepção de que a indústria do petróleo, nos moldes atuais, está em uma fase crepuscular, tendo um horizonte de amplo domínio na matriz energética mundial ainda de cerca de 40 anos.

É o que pensa o fundador da consultoria Macroplan, Claudio Porto. “A guinada para uma economia de baixo carbono é um movimento estratégico que as grandes economias e as empresas de energia estão fazendo para sintonizar-se competitivamente com as mudanças climáticas e as novas exigências dos consumidores”.

No entanto, acrescenta ele, essa transição dos portfólios de negócios das grandes empresas de petróleo tem que ser feita gradualmente e, mesmo em um cenário com mudanças aceleradas, “provavelmente o petróleo só deixará de ser dominante no protfólio da Petrobras na segunda metade deste século”.

Atualmente, a Petrobras investe em novas áreas e em aumento da produção de óleo e gás natural, seu foco principal. Mas, ao mesmo tempo, incorporou em seu plano de Negócio e Gestão (PNG) 2018-2022, em dezembro passado, a transição para uma economia de baixo carbono. Está reduzindo as emissões de seus processos produtivos, investindo em novas tecnologias para reduzir o impacto na mudança climática e desenvolvendo negócios de alto valor em energia renovável.

A empresa aderiu, em janeiro passado, durante o Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça, à Iniciativa Climática de Petróleo e Gás (OGIC, na sigla em inglês), lançada em 2014 e que já conta com dez petroleiras signatárias. O caminho para a transição rumo a uma economia de baixo carbono é o aumento da participação do gás natural no mix de produtos, segundo destacou o presidente da Petrobras, Pedro parente, em painel sobre energia no Fórum.

Para isso a estatal brasileira pode investir no exterior, já que no brasil os campos costumam ter volume muito maior de petróleo do que de gás, que vem associado. O PNG 2018-2022 sinaliza investimentos de US$74,5bilhões, no mesmo nível do plano anterior, dos quais 81% vão para exploração e produção, e 18% para refino e gás natural e o restante para as demais áreas.

De acordo com o planejamento, a produção total da petroleira, considerando óleo e gás e as operações no exterior, subirão de 2,7 milhões de barris em 2018 para 3,5 milhões de barris por dia em 2022. Só no Brasil, esse volume será de 3,4 milhões de barris de óleo equivalente (boe) em 2022. A maior parcela da produção é oriunda do pré-sal. “O gás natural é o elo de transição mais imediato para o baixo carbono. E tem que ser priorizado como combustível local e base da geração industrial de energia e calor”, analisa o consultor Jean Paul Prates.

Mas ele ressalta que, além dos investimentos da Petrobras no setor, é preciso regulação e política de preços que priorizem o desenvolvimento de um mercado doméstico acessível e longevo. Prates também vê, na experiência de operações marítimas da estatal, perspectiva para o desenvolvimento da próxima fase de nossa indústria eólica, que será o “offshore”.

A Petrobras busca diminuir emissões com o melhor aproveitamento do gás, reduzindo a queima em tocha, e da eficiência das termelétricas e acompanhando as emissões de fornecedores e produtos. A empresa quer usar sua experiência no mercado elétrico e de fontes renováveis de energia para desenvolver oportunidades que combinem tecnologia e modelos de negócios inovadores.

Dados do relatório de Sustentabilidade 2017 mostram que a Petrobras conta com uma capacidade instalada de geração elétrica de 6,4 mil megawatts (MW) médios, considerando usinas próprias e participações. Em 2017 suas termelétricas geraram 3.165 MW médios, com 2.982 MW a partir de gás natural e 183 MW com óleo combustível. Na participação com quatro empreendimentos eólicos, a estatal gerou 19 MW. Outro 1,9 MW foi gerado nas participações em duas centrais hidrelétricas, 0,9 MW na biomassa e 0,2 MW médio na planta fotovoltaica da empresa no Rio Grande do Norte, que tem capacidade para 1 MW.

A energia eólica é uma das fontes renováveis em que a Petrobrás vê sinergias com seus negócios atuais e com o sistema elétrico brasileiros. Está montando uma planta-piloto de geração eólica offshore, na baia potiguar, no Nordeste, visando entender o potencial dessa alternativa e obter informações para subsidiar decisões futuras de empreendimentos no setor. A previsão da empresa é ter a unidade instalada até meados de 2021.

Embora esteja vendendo ativos de biocombustíveis, a Petrobras continua desenvolvendo tecnologias para fabricação de produtos derivados de resíduos agrícolas e admite retornar ao segmento no futuro com outros modelos de negócios. Para a pesquisadora de energia da FGV, Fernanda Delgado, os biocombustíveis, por serem líquidos, poderiam se beneficiar da infraestrutura que a Petrobras já possui para lidar com os derivados de petróleo, mas não vê a empresa interessada nisso no curto prazo. “A Petrobras ainda está focada no petróleo e em poços mais produtivos. Os preços do barril subiram, o que é favorável à empresa e ao Brasil que exporta muito óleo”. Essa preocupação da estatal com uma economia de baixo carbono é, para a pesquisadora, “institucional” e serve como uma “licença para operar”, dando uma satisfação à sociedade.

Fernanda lembra que há uma movimentação mundial para atender aos compromissos do Acordo de paris – pelo qual os países signatários acertaram um esforço para limitar o aquecimento médio do planeta em 2 graus Celsius até o fim do século, em relação aos períodos pré-industrial – e cita os avanços da China, que é a maior provedora de equipamentos para energia eólica e solar.
Enquanto toca sua transição para a economia de baixo carbono, a Petrobras seguei no caminho de recuperar sua capacidade financeira, abalada com os escândalos de corrupção que a envolveram e aumentar a sua produção. Uma das aliadas nesta empreitada, além do programa de venda de ativos, têm sido as parceiras estratégicas com outras petroleiras estrangeiras, como a francesa Total, a chinesa CNPC, a norueguesa Statoil, a americana ExxonMobil e a britânica BP.

Com a Total, a Petrobrás assinou transações no valor de US$2,2 bilhões. Vendeu parcela nos campos da Lapa e Iara, no pré-sal da bacia de Santos, além de 50% da Termobahia, e fechou acordos de parcerias nos segmentos de exploração e produção e também abastecimento e distribuição e cooperação tecnológica, envolvendo áreas operacionais e de pesquisa.

Outros US$2,9 bilhões foram obtidos da Statoil, a partir da venda de uma participação de 25% no campo de Roncador, na bacia de Campos. Foram assinados acordos de cooperação técnica para aumentar o volume recuperável de petróleo e para compartilhamento de infraestrutura de exportação de gás. Já com a ExxonMobil, a estatal integra consórcio para a exploração de seis blocos offshore na bacia de Campos e assinou memorando de entendimento para cooperação em exploração e produção, gás e produtos químicos no Brasil e no exterior.

Com a BP, a parceria também se dá em consórcio, desta vez para exploração das áreas de Peroba e Alto de Cabo Frio Central, no pré-sal, além de uma carta de intenções para cooperação em diversas área da cadeia do petróleo. Já com a chinesa CNPC, há também parceira para explorar Peroba e um memorando de entendimento para cooperação em oportunidades no Brasil e fora do páis em todos os segmentos da cadeia, incluindo financiamento.

Para Claudio Porto, da Macroplan, essas parcerias são estratégias eficazes por trazerem complementações estruturais e sinérgicas, especialmente porque são firmadas com empresas capitalizadas, com potencial para acelerar investimentos. “E que têm interesse no grande mercado nacional e mesmo global, já que a indústria do petróleo é global por excelência”, diz
Já Assis, da EY, vê o cenário de alianças e parcerias como estrategicamente importantes não só para a Petrobras e demais petroleiras estrangeiras, mas também para a indústria de óleo e gás e a cadeia de fornecimento, que ganham com a diversificação de atores no mercado, pela perspectiva de ganhos de escala operacionais e pela cooperação tecnológica e de inovação.

A Petrobras também planeja colocar novas plataformas em produção e vem rompendo seu portfólio de áreas. Até 2022 serão 19 novos sistemas produtivos, sendo oito em 2018. Na 15ª Rodada de Licitações, realizada pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), em março, pelo regime de concessões, a Petrobras adquiriu sete blocos marítimos, sendo uma sozinha e os outros seis em consórcios diversos com empresas como ExxonMobil, Shell, Statoil e QGI Brazil.

A 15ª Rodada bateu recorde de arrecadação em bônus de assinatura: mais de R$8 bilhões. O número poderia ter sido maior se os dois blocos mais atrativos não tivessem sido retirados do certame pelo Tribunal de Contas da União (TCU),, por estarem em área próxima ao pré-sal. A presença de treze empresas de onze países disputado a etapa marítima – sendo que doze delas arremataram blocos (duas nacionais e dez de origem estrangeira) – evidencia a atratividade do offshore nacional. Os investimentos na fase de exploração, segundo a ANP , deve gerar em trono de US$1,2 bilhão. Não houve oferta para os blocos terrestres.

Em junho ocorrerá o quarto leilão de áreas do pré-sal e o governo, no começo de abril, negociava com o TCU para incluir no certame os blocos retirados da 15ª Rodada. O Ministério das Minas e Energia (MME) também quer fazer, no segundo semestre, um megaleilão para ofertar excedentes da cessão onerosa.

Para o analista de petróleo da consultoria Tendências, Walter de Vitto, o próximo leilão de pré-sal deve manter em alta o interesse de investidores de fora, já que as reservas nacionais são bastante atraentes. A Petrobras, acredita, tende a repetir o comportamento do ano passado. “A expectativa é que ela atue de forma semelhante aos últimos leilões recentes, participando de forma seletiva e buscando parcerias”, observa.

Em 2017, a Petrobras adquiriu, em parceria com a ExxonMobil, seis blocos na bacia de Campos, vendidos na 14ª Rodada, realizada em setembro. Cada um tem 50% e a estatal será a operadora. Também levou um campo terrestre. Em outubro, nos leilões de pré-sal, a estatal levou os três blocos pelos quais havia declarado interesse: Entorno de Sapinhoá, onde ficou com 45%, a Shell, com 30% e a Repsol com 25%. Em Peroba a estatal brasileira ficou com 40%, a BP com 40% e a chinesa CNODC, subsidiária da CNPC, com 20%. Já em Alto de Cabo Frio, a Petrobras e a BP têm 50% cada uma
Entre as multinacionais, a Shell é uma das mais ativas. Está investindo, desde 2016, mais de US$2 bilhões por ano até 2020, sem contar as aquisições de 2017, as novas conquistas em março passado e as futuras aquisições de áreas. Produz atualmente uma média de 350mil barris de petróleo equivalente diários, 90% oriundos de ativos não operados na bacia de Santos. O restante vem dos campos de BC-10 e Bijupirá e Salema, localizados na bacia de Campos e operadas pela própria Shell.

Outro exemplo de interesse crescente no Brasil é a norueguesa Statoil, que já anunciou seu desejo de triplicar sua produção no país até 2030. Na 15ª Rodada, a empresa adquiriu quatro blocos com parceiros diversos.

A ExxonMobil, que no ano passado já havia comprado diversos blocos na 14ª rodada, alguns sozinha, outros em consórcios – seis deles em sociedade somente com a Petrobras na bacia de Campos – levou nesta última venda oito áreas em parcerias diversas.