AA produção no pré-sal aumenta a verba de petróleo para prefeituras. Mas, por onde passou, esse dinheiro deixou mais contas a pagar do que desenvolvimento
Na escola municipal Guaratiba, num bairro à beira-mar de Maricá, região metropolitana do Rio de Janeiro, pequenos estudantes chegam aos grupos, entre 7 horas e 8 horas da manhã. Vestidas com o uniforme azul-turquesa onde se lê ‘Maricá’ bordado na gola, as crianças entram e rumam para as primeiras atividades do dia. Vê-se que elas perderam boa parte do espaço do pátio para uma estrutura em módulos, improvisada, dentro da qual ocorrem aulas e outras atividades. São contêineres, usados também em outras escolas. A prefeitura recorre a eles há pelo menos três anos para acomodar o crescimento no número de alunos na rede, de 80% desde 2010. O improviso nas instalações não é o único problema. A rede municipal não atingiu as metas do Ministério da Educação para o estado no Índice de Desempenho da Educação Básica para o ensino fundamental. “Temos alunos no 7º ano que não sabem dividir”, diz uma profissional da rede, que pede anonimato. “As escolas estão inchadas. O governo quer aumentar as matrículas e ampliar o turno integral, mas não constrói escolas. As crianças têm de se revezar entre as aulas e atividades no pátio por falta de espaço.” Na lógica tradicional da política pública brasileira, tais falhas seriam atribuídas à falta de verba. Não é o caso. A receita de Maricá deverá encerrar o ano 60% maior que a de 2016, o oposto da maioria das prefeituras brasileiras, sufocadas pela queda na arrecadação causada pela crise. O município se tornou, neste ano, o principal recebedor de receitas pela exploração de petróleo. Nos últimos 12 meses, R$ 726 milhões irrigaram os cofres da prefeitura.Entram nessa conta dois tipos de verba: royalties e participações especiais (PE). Os royalties compensam municípios com orla de frente para a área explorada – a ideia é pagá-los pela extração de recursos naturais e por danos à natureza, possíveis ou reais. Já as PE servem para distribuir o lucro de campos ultraprodutivos, como Lula e Sapinhoá, alinhados com Maricá. Por causa dos trabalhos 200 quilômetros mar adentro, os dois tipos de recursos fluem para a cidade. Representam uma dinheirama para um município de 153 mil habitantes. Esse dinheiro novo deveria ser gasto de forma a construir benefício duradouro e aumentar o dinamismo econômico futuro da área – uma ponderação crucial, já que o petróleo é um recurso finito. Podem entrar numa lista ideal de investimentos projetos em muitas áreas, como educação, treinamento profissional, proteção ambiental, infraestrutura e atração de turistas (Maricá tem orla bonita e seis lagoas exuberantes, mas não se destaca como destino nobre de turismo). O dinheiro do petróleo, porém, vem tomando outro rumo.
A prefeitura de Maricá afirma investir essa verba ‘com responsabilidade’, promete prestar contas mais detalhadas até o fim do ano e divulgar ‘em breve’ um plano de investimentos para os próximos três anos. Três anos de horizonte é pouco e, até o momento, as realizações do poder municipal não inspiram.
As filhas do pedreiro Francisco Sales Santos estudam na escola Guaratiba. Ele não menciona como problemas o uso dos contêineres nem o ensino local fraco. Diz-se satisfeito com a prefeitura, sob gestões petistas há nove anos, porque as ruas estão sendo asfaltadas e a renda da família recebe reforço de R$ 130, graças ao programa de moeda social Mumbuca. “Compramos coisas para as meninas”, diz. Cidadãos e prefeitura seguem um roteiro já conhecido – e perigoso – em áreas sob efeito do petróleo. O dinheiro novo, além de não acarretar o benefício duradouro esperado, pode criar fontes de gastos permanentes, como inchaço do quadro de funcionários públicos.
O asfaltamento de ruas vem ocorrendo mesmo – completaram-se 500 quilômetros. Mas não faz parte de nenhum plano de longo prazo. “Não há rede de esgoto em vários bairros. Vamos ter de quebrar o asfalto novo na hora de trazer as tubulações?”, questiona outro morador, o aposentado Valdir Pacheco, de 63 anos, que vive em Maricá há 35. Uma em cada três casas não tem saneamento adequado, e as lagoas recebem esgoto sem tratamento. O promotor de justiça Leonardo Cuña atua em cidades campeãs de royalties há uma década e reconhece um padrão vicioso. “Há insistência em mostrar serviço, com obras que chamam a atenção, como asfalto e embelezamento da rua. Quando o dinheiro entra fácil, perde-se no planejamento deficiente.” O programa de renda mínima com a moeda social Mumbuca foi ampliado neste ano de 13 mil para 16 mil famílias, ou 40% da população, mais que os 33% enquadrados pelo IBGE abaixo da linha de pobreza. O pagamento mensal foi reajustado de R$ 90 para R$ 130. Custa R$ 25 milhões por ano. “É importante distribuir renda, mas seria melhor investir mais em saúde e educação”, diz o comerciante Marco Antônio Bandeira, dono de uma mercearia que aceita a moeda social.