Diagnósticos e propostas
Prefácio
A despeito de conquistas importantes nos campos social e econômico após a década perdida de 1980, o Brasil ainda não consolidou um modelo de desenvolvimento adequado – muito pelo contrário. No campo da economia, é com tristeza que se constata hoje que, passados tantos anos, seguem existindo graves problemas de natureza macro e microeconômica, que restringem enormemente o potencial de crescimento do país. Este livro, mais um na longa trajetória de Fabio Giambiagi, agora em parceria com Mansueto de Almeida, um dos maiores especialistas em políticas públicas do Brasil, procura mapear caminhos para o melhor funcionamento da economia brasileira.
Para tal, foram escolhidos renomados especialistas para elaborar capítulos sobre os principais tópicos do que poderia compor uma agenda de reformas bastante abrangente. O resultado é um conjunto de artigos que cobrem desde a reconstrução fiscal até os desafios da educação, saúde e infraestrutura, todos urgentes e imprescindíveis. Os textos incluem sempre diagnóstico e propostas e apresentam os temas de forma ao mesmo tempo clara e profunda.
Como a introdução resume bem o livro, vou me concentrar em um tema mais geral: a dificuldade do Brasil de achar e persistir em um bom caminho. Esse fracasso é facilmente quantificável: apesar do muito que se fez de bom ao longo do século passado e deste início de século, a renda per capita do Brasil segue inferior a 20% da norte-americana. Em tese, um país menos desenvolvido deveria apresentar excelentes oportunidades de investimento, com altos retornos e capazes de encurtar a distância que o separa de uma economia mais avança. Tal processo de convergência representa o melhor caminho para o desenvolvimento. Na prática, estamos falando de investir em capital físico e humano, em construir instituições, em estimular a inovação e o empreendedorismo.
Por que será que a convergência aqui tem sido tão lenta? Por que o investimento não tem atingido a escala, abrangência e qualidade necessárias? Não há explicações universais para cada caso, mas me arrisco a dizer que, dentre os muitos fatores responsáveis por isso destacam-se o papel das ideias equivocadas, de um Estado e instituições ineficazes e de uma cultura problemática.
No campo das ideias, somos vítimas de um período de grande sucesso: os 30 anos de crescimento acelerado no país a partir de 1950. Neste período, a renda per capita do Brasil dobrou como proporção da renda dos EUA. Foi uma fase de industrialização e investimento em infraestrutura. Ao final do período, o modelo começou a ratear e acabou em sucessivas crises de Balanço de Pagamentos e inflação. Em outras palavras, o modelo fracassou. O pecado original é facilmente identificável: o Brasil optou por um modelo de economia fechada (substituição de importações) com pouco foco em capital humano, inovação e produtividade e com enorme papel do Estado em atividades produtivas que incluem praticamente todas as dimensões da infraestrutura, além de importantes setores como mineração, aço e bancos. Talvez por ter dado certo por um bom tempo, tem sido difícil até hoje mudar de rumo. Muito se fez nos governos de Fernando Henrique Cardoso e no primeiro mandato de Lula, inclusive na área social, mas pouco a pouco uma mudança de rota na direção do que tinha claramente dado errado no passado nos trouxe à depressão econômica de 2015 e 2016. Hoje o Brasil ainda carece de um certo consenso quanto ao caminho a seguir na área econômica – e paga caro por isso.
A experiência histórica internacional sugere que todos os casos de sucesso econômico e social prolongado têm em comum um Estado capaz de entregar aquilo que dele se espera: foco no bem público, consistência, isenção, igualdade perante a lei, igualdade de oportunidades e regras claras e previsíveis. Alguns países foram além dessa lista, como os escandinavos e seus Estados grandes, enquanto outros, como os Estados Unidos em boa parte de sua história, mantiveram um Estado mais enxuto, mas todos de boa qualidade e ancorados em instituições robustas. No topo da lista de atributos de um Estado eficaz estão as instituições e regras que definem e delimitam o comportamento dos três poderes. Alguns exemplos no campo econômico incluem: um processo orçamentário robusto, um arcabouço regulatório bem desenhado, independente e competentemente tripulado (incluo aqui o Banco Central), assim como sistemas e órgãos de defesa da concorrência, de proteção ao consumidor, de recuperação e falência de empresas, de planejamento e avaliação de programas e ações públicas, e etc. Claramente, há espaço para aperfeiçoamentos relevantes aqui, e alguns passos já estão sendo dados.
Parece claro, no entanto, que será difícil progredir para valer sem mudanças fundamentais no sistema político. Destaca-se aqui a sua extrema fragmentação, com mais de 30 partidos registrados, o que leva à falta de foco nas questões de longo prazo e de interesse da sociedade como um todo. Não surpreende que a falta de credibilidade da política no Brasil atinja hoje níveis elevados. Respostas a essa questão passam pela adoção cláusulas de barreira e da proibição das coligações nas eleições proporcionais, ora em discussão. Seria necessário também introduzir um modelo de voto distrital, de preferência misto, que aproximaria o eleitor de seus representantes e reduziria o astronômico custo das campanhas. Sem essas reformas fundamentais, a aprovação das demais fica prejudicada.
Há que se destacar aqui outra maior: a captura do Estado por interesses privados, corporativos e partidários. Não surpreende, nesse contexto, a corrupção generalizada que assola o país, fruto de uma perversa parceria entre um Estado que tudo pode e grupos de interesse que tudo querem. A sensação de que certos grupos podem tudo envenena a coesão social e dificulta as reformas econômicas, que frequentemente exigem sacrifícios da maioria que pouco pode. O que fazer? O tema é especialmente complexo, pois remete às nossas raízes históricas e culturais, que veem no Estado a garantia da qualidade de vida de cada um. Em boa parte, a solução passa por uma reconstrução institucional, que limitaria a ação do Estado e imporia um freio às questões culturais que nos tornam presa fácil e frequente do populismo.
Ocorre que o desenho institucional de um país é ele próprio endógeno, e a causalidade entre a qualidade das instituições e a da cultura é bidirecional, uma reforçando a outra. Em épocas de prosperidade, é praticamente impossível progredir. Em momentos de crise, os problemas aparecem com mais clareza, como no caso do Brasil agora, o que permite algum espaço para mudanças. Graças ao bom funcionamento de algumas instituições como o Judiciário, o Ministério Público, a Polícia Federal e a imprensa (a mídia em geral, livre e investigativa), tem havido progresso no combate à corrupção. Não é exagero imaginar que a crise atual pode representar um divisor de águas institucional e cultural na vida do país.
Os desafios são enormes, mas sem uma visão adequada no campo econômico não há chance de dar certo. Ao cobrir grandes temas como educação, estabilidade macroeconômica, saúde, previdência social e vários outros indispensáveis, este livro dá uma contribuição altamente relevante no campo das ideias, condição necessária para que o Brasil encontre um caminho rumo ao desenvolvimento.
Armínio Fraga
Março de 2017
*O livro encontra-se disponível para compra nas maiores livrarias e-commerce do país.