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Visão Estratégica de Longo Prazo: como fazer e qual o seu valor para os governantes e a sociedade

28 de novembro de 2019
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    Claudio Porto | Fundador da Macroplan

    Por que vale a pena adotar a Visão Estratégica de Longo Prazo como prática e instrumento de governo

    A maioria dos governantes e dos agentes políticos brasileiros não tem ânimo para olhar o longo prazo, especialmente em momentos de crise. E menos ainda para apostar em políticas públicas ou investimentos estruturantes com antecipação, dedicando-se, quase exclusivamente, a tocar ações imediatas ou “apagar incêndios”. Nossa sociedade também não ajuda: nós, brasileiros, somos consumistas e imediatistas e temos baixa propensão a cuidar do futuro.[1]

    Essas ideias reforçam o discurso dominante de que, neste momento, o importante é ser ágil. Mas a história – lá fora e aqui – e a realidade atual mostram que não é bem assim. Agilidade é um atributo fundamental, porém insuficiente para uma atuação estratégica.

    A visão de longo prazo é que permite levar a um desempenho superior ou a saltos significativos nos níveis de desenvolvimento. A liderança pela antecipação está associada a um grande ganho político, estratégico e de bem-estar de países, estados ou cidades.

    Na verdade, o futuro não se adivinha, o futuro se constrói. Essa frase, que costuma abrir os textos que exaltam o valor da visão de longo prazo, ancora-se em evidências colhidas em casos de sucesso no exterior e no Brasil. Há muitas experiências precursoras e fatos portadores de futuro que podem nos ajudar a disseminar tal visão como uma boa prática para a gestão dos negócios públicos no Brasil.

    A essência da Visão Estratégica de Longo Prazo

    Visão Estratégica de Longo Prazo é muito mais do que plano de longo prazo e/ou um conjunto de instrumentos legais que instituem políticas públicas. Aliás, nem toda visão de longo prazo é estratégica e nem toda estratégia incorpora, necessariamente, um componente de longo prazo.[2] Também não é um plano determinativo centralizado pelo Estado, formalmente estabelecido e/ou instituído em lei.

    É visão estratégica porque busca protagonismo na construção do futuro mas respeita a complexidade e a incerteza da realidade. Mais do que um plano, é uma espécie de guia adaptativo e dinâmico para a construção de um futuro desejado.

    A essência da formulação e da prática da Visão Estratégica de Longo Prazo vai muito além. Em primeiro lugar, é preciso que tenha um foco: de que trata, com que objetivo e com qual horizonte de tempo.[3] Segundo: essa visão é uma tríade que articula antecipação, escolha e ação.[4]

    Fonte: Macroplan.

    Antecipação

    Avaliação, tendências, incertezas e cenários

    Antecipar e explorar futuros é trabalhoso e complexo. Envolve três etapas desenvolvidas por meio de aproximações sucessivas, conforme indica a figura a seguir:

    A lógica da antecipação

    Fonte: Macroplan

    1 O primeiro passo para a construção de uma boa visão de futuro é elaborar uma resposta consistente para duas questões: (1) onde estamos?; e (2) como chegamos até aqui?

    Para obter essas respostas é necessário elaborar um panorama do quadro atual, com ênfase em seus aspectos estruturais (essenciais, não circunstanciais), identificando ativos ou potenciais (em que estamos bem) e os problemas ou gargalos subsistentes. Além disso, fazer um prognóstico da evolução dessa situação caso nada de novo aconteça. Tudo isso com base em evidências[5] e em métodos de análise quantitativa e qualitativa.

    Essa síntese nos permitirá antecipar gaps em relação às tendências e aos cenários futuros. Além disso, é preciso fazer uma análise retrospectiva pois ela evita que se privilegie demasiadamente a situação atual, cuja interpretação pode estar condicionada (enviesada) por fenômenos conjunturais. A compreensão e o distanciamento crítico são essenciais ao êxito de qualquer estudo do futuro. Como nos lembram Brant e Nascimento: “…e o que foi feito é preciso compreender para melhor prosseguir.”[6]

    Mas, não se deve “apostar todas as fichas” apenas em desafios, problemas e oportunidades que existem no presente: isso pode instituir o imediatismo. Mesmo sabendo que o futuro é incerto, é possível reduzir e organizar as incertezas. E, assim, melhorar a capacidade de antecipação para preparar boas estratégias e boas políticas em tempo hábil.

    Isso se conecta com a terceira questão: aonde poderemos chegar? Existem métodos eficazes de análise prospectiva que ajudam a responder a essa questão. Um dos mais eficazes combina o mapeamento de tendências com a construção de cenários.


    Antecipação de implicações de uma tendência consolidada


    2 Por isso o segundo passo é identificar o que é certo ou quase certo de acontecer, ou seja, detectar os fenômenos ou processos relevantes cuja direção no longo prazo é previsível. Esse mapeamento de tendências deve ser seletivo e aprofundado e também baseado em evidências. Mais importante: ser capaz de antecipar as principais implicações para as políticas públicas e as estratégias de ação de médio e longo prazos.

    3 O terceiro passo nos leva à construção e à análise de cenários. Porque uma boa antecipação de tendências reduz, mas não elimina, as incertezas relativas ao futuro.
    E estas são crescentes à medida que se avança no horizonte do tempo. Contudo, é possível identificar as incertezas mais críticas e organizá-las em um conjunto finito de alternativas, formando os cenários mais plausíveis.
    Cenários são configurações qualitativamente distintas sobre como um país, uma região, uma cidade, um setor ou uma questão específica poderão evoluir num dado horizonte de tempo. No entanto, bons cenários não são apenas narrativas qualitativas. Suas principais magnitudes devem (e geralmente podem) ser quantificadas e/ou georreferenciadas com o auxílio de modelos de simulação adequados.

    Benefícios da Antecipação Estratégica:

    1. Robustece a liderança pela antecipação.
    2. Aguça a sensibilidade dos decisores em relação ao ambiente externo e à antecipação de riscos e oportunidades que pode proporcionar.
    3. Provê referências para avaliar as estratégias e políticas adotadas atualmente e estimula a exploração organizada de novas opções.
    4. Desenvolve as habilidades e competências das equipes do governo para lidar com riscos e incertezas.
    5. Amplia e melhora a percepção do futuro por parte dos executivos e técnicos envolvidos.
    6. Melhora a percepção institucional e social do processo de mudança e das transformações do ambiente externo.
    7. Desenvolve novos reflexos e ferramentas para que os líderes e as equipes do governo possam lidar simultaneamente com vários futuros, aumentando a velocidade e a qualidade das decisões e das ações estratégicas.

    Amostra de estudos de cenários elaborados pela Macroplan | 1989-2019

    O uso de cenários como método auxiliar na formulação de grandes decisões, de políticas públicas e de estratégias de desenvolvimento ganhou impulso a partir dos anos 1990. Uma de suas aplicações mais populares, chamada “Cenários de Mont Fleur”, foi desenvolvida entre 1992 e 1993 para antecipar futuros relacionados ao fim do apartheid na África do Sul. Além desta, há muitas outras aplicações do método documentadas e abrangendo vários campos e temas de interesse público. Por exemplo:

    • Cenários Macro e do Setor de Energia Elétrica Brasil 2020-2035 (Eletrobras, 2019).
    • Cenários Exploratórios Recife 2037 (Prefeitura de Recife, 2017).
    • Cenários Prospectivos de São José dos Campos 2016-2035 (Prefeitura da Cidade, 2016).
    • Cenários Exploratórios Pernambuco 2035 (MBC, 2013).
    • Cenários Exploratórios Belo Horizonte 2010-2030 (2010).
    • Cenários Exploratórios de Minas Gerais 2007-2023 (Governo de Minas Gerais, 2007).
    • Cenários Exploratórios do Espírito Santo 2025 (MEES, 2006).
    • O Ensino Superior no Mundo e no Brasil – Condicionantes, tendências e cenários para 2003-2025 (Unesco, 2003).
    • Revisão e atualização dos Cenários Focalizados em Educação Tecnológica 2000-2010 (Senai, 2000).
    • Cenários e Visão de Longo Prazo para o Mato Grosso do Sul – Horizonte 2020 (1999).
    • Cenários Internacionais e Nacionais com Focalização Exploratória na Indústria de Óleo & Gás 1989-2000 (Petrobras, 1989).


    Escolha

    Visão de futuro: portfólios de políticas públicas e estratégias

    Antecipação é atributo essencial de uma boa estratégia. Mas não é suficiente. Em face das tendências, incertezas e implicações antecipadas é preciso decidir para onde ir, o que fazer e o que não fazer para “chegar lá”. Esse é justamente o escopo da escolha estratégica, que se desdobra em quatro etapas:

    1 A visão de futuro é o primeiro passo no design da estratégia de longo prazo. É, também, um poderoso recurso de exercício da liderança antecipatória. Boas visões, que capturam o espírito do tempo[7] e são comunicadas e partilhadas com entusiasmo por líderes energizados, podem conquistar as mentes e os corações de amplos segmentos de apoiadores e se constituírem poderosa alavanca para a construção do futuro desejado.

    Uma boa visão de futuro deve possuir três atributos. Primeiro, transmitir uma noção de direção: deve ser diferenciadora, indicando um ponto de vista desafiador e único sobre o futuro. Segundo, anunciar uma noção de descoberta, transmitindo à sociedade a promessa de perseguir e alcançar uma grande conquista. Terceiro, estabelecer uma fronteira emocional, ou seja, constituir um alvo que os atores sociais percebam como intrinsecamente válido, implicando, portanto, uma noção de destino. Direção, descoberta e destino, em sintonia com o espírito do tempo, são os atributos essenciais de uma boa visão de futuro.


    Exemplos de visão de futuro

    1. Uma causa mobilizadora: “I HAVE A DREAM” – Eu tenho um sonho que meus quatro pequenos filhos um dia viverão em uma nação onde não serão julgados pela cor da pele, mas pelo conteúdo do seu caráter. Eu tenho um sonho hoje … Com essa fé poderemos trabalhar juntos, rezar juntos, lutar juntos, ser presos juntos, defender a liberdade juntos, sabendo que um dia haveremos de ser livres” (Martin Luther King, discurso nos degraus do Lincoln Memorial, Washington, 23 de agosto de 1963).
    2. Um país: BRASIL: “50 anos em 5” (Juscelino Kubitschek, Programa de Governo, 1955).
    3. Um estado: ESPÍRITO SANTO – “Até 2025 o Espírito Santo alcançará padrões de desenvolvimento próximos aos de países com as melhores condições de vida nos dias de hoje” (agosto, 2006).
    4. Um setor: “2050: CEARÁ, um Estado inovador” (Plano Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação, dezembro, 2017) .
    5. Cidades:

    2 O passo seguinte é o dos grandes comprometimentos.[8] Ou, em outros termos: das grandes apostas da sociedade e do Estado em relação ao futuro.

    Diante da aceleração, multiplicação e diversificação das mudanças antecipadas, e tendo a visão de futuro como primeiro grande filtro, a melhor prática é questionar sistematicamente tanto as principais políticas públicas quanto as estratégias vigentes, desde a sua razão de ser até o escopo e a magnitude dos recursos alocados. E, com base nessa avaliação prospectiva, decidir o que faz sentido manter, o que deve ser descontinuado (“desapegar”) de forma organizada, o que é preciso intensificar e – o mais importante – o que mudar em termos de foco e prioridade. Avaliações de impacto ex-ante são valiosas para inibir os “achismos” e as pressões oportunistas que muitas vezes influenciam essas escolhas.

    Isso significa praticar uma gestão antecipatória e adaptativa do portfólio das grandes políticas públicas e das principais estratégias de atuação para ajustá-lo em tempo hábil às transformações em curso.

    3 O terceiro passo é a construção de uma agenda de experimentos estratégicos. Esse é um espaço propício para escolhas de governo.

    De fato, mesmo tendo uma visão de futuro clara e assumida, e com boas políticas e estratégias antecipatórias já estabelecidas, os governantes e suas equipes, e também os atores externos e internos com os quais interagem, têm de lidar com incertezas e pressões de naturezas e intensidades diversas que afetam suas decisões e ações. Incertezas ou pressões político-institucionais, econômico-financeiras, ambientais, sociais e tecnológicas que, de algum modo, precisam ser consideradas nas ações do governo.

    As atitudes mais arriscadas e de maior custo (para o contribuinte e para o governante) são: (1) ignorar essas incertezas e se expor ao risco de ser apanhado de surpresa; ou (2) enfrentá-las intuitivamente e caso a caso, à medida que os problemas associados forem surgindo.

    Flexibilidade e experimentação representam a escolha estratégica adequada para contextos de elevada incerteza. Adotar opções mais prudentes e com menor alocação de recursos e formular políticas públicas ou projetos estratégicos experimentais é o caminho mais adequado, enquanto não ficar evidente que cenário predominará e/ou que política ou estratégia apresentará a melhor performance em face das incertezas existentes. Experimental no sentido de que os portfólios de políticas ou projetos devem ser postos em prática mas avaliados com base em métodos científicos, e não em intuições e “achismos”.[9]

    4 Finalmente, as escolhas estratégicas devem ser traduzidas em objetivos e metas indicativas de longo prazo, com base nas melhores práticas e modelos disponíveis, e submetidas a testes de factibilidade e consistência. Este conjunto de objetivos e metas dimensiona o esforço necessário e os resultados esperados com a estratégia posta em ação, como se verá a seguir.

    Em suma: é preciso construir e manter atualizado um portfólio de políticas públicas e projetos estratégicos que combinem “apostas altas” para os desafios mais previsíveis; e “apostas experimentais” para as situações de elevada incerteza.

    Portfólio de escolhas estratégicas de longo prazo

    Fonte: Macroplan.

    Escolha Estratégica de Longo Prazo – Casos e temas

    Fonte: Plano de Desenvolvimento Espírito Santo 2025, agosto, 2006.
    Fonte: Macroplan – Estudos internos.

    Benefícios da Escolha Estratégica com Visão de Longo Prazo:

    1. Infunde esperança e confiança na sociedade em relação ao futuro e cria um ambiente mais favorável à coesão social.
    2. Melhora a compreensão e a antecipação das consequências futuras de decisões tomadas no presente.
    3. Propicia decisões e projetos mais robustos definidos e avaliados a partir de futuros alternativos.
    4. Induz ao alinhamento e à coordenação de decisões de investimentos privados e públicos.
    5. Estimula a renovação da mentalidade dominante e reduz as resistências a inovações.
    6. Facilita a convergência e a integração de iniciativas e recursos de instituições públicas e privadas nas oportunidades com maior potencial para a geração de benefícios econômicos e sociais.
    7. Melhora a alocação e a qualidade do gasto de recursos públicos e aumenta a capacidade do governo de captar recursos externos (públicos e privados).

    Ação

    Planejamento tático, execução, governança e comunicação

    Durante as fases de antecipação (diagnóstico, tendências e incertezas, cenários) e de escolha (visão de futuro, grandes escolhas, experimentos, políticas e projetos), geralmente é criado um clima de entusiasmo e comprometimento, sobretudo se essa construção contar com a participação ativa das principais lideranças públicas e privadas envolvidas. Infelizmente, porém, com frequência tal cenário muda no “dia seguinte”, devido às pressões do dia a dia. Conclusão: o entusiasmo começa a se dissipar e a visão de futuro passa a perder tração.

    Assim, a menos que se resolvam os conflitos entre as necessidades inerentes à construção do futuro (definidas na visão de longo prazo) e as atividades cotidianas do governo e das demais instituições envolvidas, inevitavelmente estaremos diante de mais um caso no qual o longo prazo não funcionou.

    Uma questão crítica, então, é preparar de imediato a implantação e viabilizar vitórias rápidas, enquanto o clima se mantém favorável.

    1 Em condições ideais, a implementação se inicia com a montagem de um Plano de Prioridades de médio prazo para todo o governo (ou para segmentos prioritários desse governo).[10]

    Deve compreender e harmonizar duas agendas: (1) uma de prioridades finalísticas (escolha, especificação e hierarquização das entregas à sociedade, ao mercado e a públicos-alvo específicos de serviços e obras dos níveis de performance pública); e (2) outra de prioridades internas, especialmente as relacionadas a recursos financeiros (agendas fiscal, tributária e de captação de recursos), humanos, tecnológicos (em particular, digitalização e TI) e à governança e gestão. Também devem fazer parte desse processo a atribuição e a pactuação de responsabilidades internas e a negociação de parcerias externas. Além dos inevitáveis ajustes nos instrumentos legais.

    Parte das prioridades é óbvia: elas derivam da visão de longo prazo e dos compromissos de campanha do governante eleito. Outra parte decorre dos sinais da conjuntura externa e interna ao governo – urgências ou emergências que não podem ser ignoradas sem custo elevado.

    A montagem de um plano de prioridades com essas características exige muito trabalho político e técnico. Mas há métodos eficazes e bem testados para fazer isso. E o mais importante: com um grande potencial de retorno quando aplicado adequadamente, já que transmite uma sinalização clara de rumo, inibe a pulverização de recursos gerenciais e financeiros, auxilia a modulação das expectativas da sociedade e dá sentido estratégico à comunicação do governo com ela. Em especial, quando o tempo é de crise e de escassez de recursos.

    Uma vez definido e comunicado, o plano de prioridades representará tanto uma “ponte” para a visão de futuro quanto o principal guia para a ação do governante e suas interações com os demais agentes públicos e privados. Deve ser seguido com disciplina. Mas não é imutável: a realidade imporá ajustes, sobretudo na montagem (ou atualização) do Plano Plurianual de Atividades (PPA).

    Conexão dos instrumentos de planejamento em uma estratégia de estado

    Fonte: Macroplan, adaptado de Pares et al. (2006).

    2 A essência da estratégia é a execução. É também sua parte mais desafiadora: transformar intenções em ações e entregar resultados a seus públicos-alvo.

    Na vida real isso significa: (1) pôr em prática as decisões e ações planejadas por meio da operação dos sistemas e processos necessários à concretização das políticas públicas e/ou dos projetos estruturantes ou experimentais; (2) entregar os serviços, produtos e resultados à sociedade (bens e serviços de uso geral ou difuso) e/ou aos públicos-alvo respectivos; e (3) acionar os sistemas de incentivos e consequências para manter o rumo e o alinhamento planejados sempre que possível e necessário.

    Nesse campo, dois registros positivos e dois negativos.

    Do lado positivo: no Brasil, temos sistemas estruturados que geralmente funcionam para produzir e entregar (políticas) serviços públicos essenciais à população: ensino (do fundamental ao superior); saúde (da atenção primária à assistência de alta complexidade); segurança e justiça; assistência social (lato sensu, incluindo as redes de proteção social). Também temos um bom acervo de projetos de infraestrutura e investimentos bem-sucedidos, executados por agentes estatais ou em parceria com agentes privados, especialmente nos domínios das telecomunicações, da energia (óleo & gás e eletricidade) e, em certa medida, dos transportes. Além do moderno agronegócio. Nas cidades também há inúmeros casos de sucesso no que diz respeito à infraestrutura urbana e à provisão de serviços. Ou seja, temos uma base já estabelecida para poder avançar.

    Do lado negativo: nossos grandes sistemas de serviços públicos operam com baixíssimo nível de eficiência e eficácia frente aos padrões internacionais. Pior: muitas vezes com degradação a olhos vistos (caso da saúde e dos transportes públicos de massa, por exemplo), em virtude da conjuntura de escassez de recursos e de rigidez institucional que impede medidas mais drásticas de contenção de custos fixos. Além disso, no campo dos investimentos, apesar de contarmos com um portfólio de oportunidades que desperta a atenção de investidores no mundo inteiro, sofremos de uma escassez crônica de bons projetos de investimento.[11]

    Não há saída fácil nem rápida na hora da execução. Mas há uma condição essencial: a disciplina de execução, na qual se destacam quatro componentes:[12] (1) o foco no que é crucialmente importante; (2) uma gestão ativa – “à vista”; (3) o monitoramento e a manutenção de um placar vivo e envolvente; e (4) a criação de uma cadência de responsabilidade e de vitórias que sejam recompensadas.

    Tão decisivo quanto executar bem é entregar os serviços, produtos e resultados aos seus verdadeiros destinatários. Por isso é essencial organizar, alinhar, manter e acionar os sistemas de verificação e de incentivos para manter o rumo e a cadência planejados.

    Bons sistemas de incentivo – premiações por desempenho de instituições ou equipes,[13] reconhecimento público, estímulos específicos (bolsas e vouchers, benefícios fiscais temporários), avaliações comparativas transparentes – funcionam como poderosos mecanismos de melhoria da performance. Mas seu manejo envolve um risco: o de serem capturados por corporações (empresariais, funcionais, clientelas) e transformados em “direitos adquiridos”. Para reduzir esse risco, auditorias e revisões periódicas devem ser praticadas, preferencialmente por atores independentes (terceira parte).

    3 Finalmente, temos a navegação estratégica. Utilizando uma metáfora: navegação como o processo (de direção) que se inicia com a partida de uma embarcação e que termina com sua chegada ao porto de destino. Trata-se, portanto, de uma abordagem macro e não de detalhes. O desafio da navegação é manter o rumo, governar a caminhada, manter-se a par do que está acontecendo e comunicar as mensagens mais apropriadas a cada momento.

    Fazer a navegação, no presente caso, significa: (1) exercer a governança compartilhada da execução; (2) realizar o monitoramento, a gestão e a avaliação das entregas realizadas e da performance alcançada; e (3) manter uma comunicação ativa com a sociedade e os públicos específicos a respeito da estratégia posta em ação.

    A governança da visão de longo prazo deve ser estruturada e operar como um processo decisório participativo e multi-institucional, envolvendo redes de agentes públicos e privados. Inclui o compliance (conformidade com as leis e o alinhamento às melhores práticas) e a garantia da transparência. Mas é diferente da gestão do governo, que é estabelecida a partir de um modelo predominantemente hierárquico.

    Trata-se aqui de uma governança baseada no exercício de uma liderança agregadora, no soft power, ou seja, mais por meio do convencimento do que por meio da decisão hierárquica. Um locus de adesão e parceria. Uma das áreas de fronteira nesse campo são as parcerias estado-município orientadas para resultados.[14]

    Já o monitoramento, a gestão e a avaliação das entregas de resultados fazem parte da gestão do governo.[15] As melhores práticas incluem a gestão baseada em evidências, o monitoramento da ação e a avaliação de resultados. Uma importante inovação nesse campo é a evolução do conceito de escritório de projetos para o de Central de Resultados, o que significa posicionar o monitoramento e a gestão de resultados em um patamar mais elevado e com muito melhor desempenho. Uma boa Central de Resultados orienta e organiza a ação do governo, a geração e a entrega de resultados de interesse dos beneficiários das políticas públicas. A modelagem e a operação de cadeias de entrega de resultados são cruciais.

    Por último, mas não menos importante: comunicar sistematicamente a estratégia em ação. Comunicar é falar, escutar, dialogar. Explicar e convencer. Disseminar narrativas inspiradoras da confiança baseadas em fatos e evidências para criar e manter um ciclo virtuoso de boa vontade por parte de todos os envolvidos – dentro e fora do governo –, em relação ao esforço compartilhado e cooperativo de fazer o futuro desejado acontecer.

    O método de implementação, execução e navegação como aqui proposto exige competência, disciplina e engajamento exemplar das lideranças, especialmente do governante e das equipes do governo. Mas produz benefícios muito valiosos.

    Benefícios da Navegação Estratégica:

    1. Melhora a capacidade do governo e acelera a entrega de produtos e resultados relevantes para a sociedade e para públicos-alvo específicos.
    2. Desenvolve as capacidades de antecipação e de resposta do governo e dos agentes econômicos e sociais em face das mudanças (tempo hábil).
    3. Estimula o senso de prontidão (readiness) dos governantes e suas equipes.
    4. Reduz os riscos de o governo e dos agentes econômicos e sociais “serem pegos de surpresa”, com mudanças não previstas, e de produzir reações tardias e atabalhoadas.
    5. Multiplica a aprendizagem da equipe de decisores e executivos pelo acompanhamento da evolução real das entregas, dos resultados e dos fatores não controlados.

    Em síntese: improvisação, imediatismo, descontinuidades e achismos cobram um preço alto da sociedade, do mercado e dos contribuintes. Sociedades, lideranças, estados e governos que assumiram visões de longo prazo como um dos seus fundamentos aceleraram a marcha rumo à prosperidade e ao bem-estar.

    A Visão Estratégica de Longo Prazo é a melhor ferramenta que temos para construir o futuro. Especialmente em tempos voláteis e turbulentos, quando corremos o risco de perder o rumo com facilidade. Por isso esta frase de Alvin Tofler, escrita há quase 30 anos, continua valiosa e atual: “Apesar de tudo, à medida que avançamos para a terra desconhecida do amanhã, é melhor termos um mapa geral e incompleto, sujeito a revisões, do que não termos mapa algum.”[16]

    A Construção do Futuro com Visão de Longo Prazo


    [1] Um estudo do Banco Mundial feito em 2017 com 150 mil pessoas (Demirgüç-Kunt et al., 2018), entre as quais mil do Brasil, mostrou que apenas 6% dos brasileiros ouvidos (entre 15 e 24 anos) guardam dinheiro para a velhice e/ou investem em um plano de Previdência privada. Essa média está bem abaixo da apresentada por outros 144 países participantes da pesquisa. Considerando todas as faixas etárias, o Brasil teve um índice de 11%, ocupando a 101ª posição. Com isso, ficou atrás de: Filipinas (26%), Bolívia (20%) e Mali (16%). Também está abaixo da média dos países em desenvolvimento, com 16%.

    [2] Essa é uma reflexão instigante e fecunda, mas que extrapola o foco deste artigo.

    [3] O objeto refere-se ao que se trata: pode ser um país, uma região, um estado, uma cidade, um setor, um tema, um negócio ou uma questão específica. O objetivo remete à finalidade: se é para orientar decisões antecipatórias, subsidiar debates públicos, alertar para oportunidades ou problemas etc. O horizonte temporal diz respeito aos limites de tempo: toda visão estratégica de qualidade tem um tempo de referência, ainda que esse tempo seja um alvo móvel.

    [4] Godet (1985).

    [5] Ver excelente introdução ao tema em Barros et al. (2019).

    [6] Brant (1978).

    [7] Zeitgeist: espírito dos tempos, espírito de uma época.

    [8] Commitments.

    [9] Em “Protocolo”, Lisboa (2019) nos oferece uma valiosa reflexão a respeito, inclusive lembrando que essa é uma prática científica que foi ressaltada como distintiva dos três ganhadores do Prêmio Nobel de Economia de 2019.

    [10] O médio prazo, nesse caso, é o horizonte do mandato do governante eleito. No contexto da visão de longo prazo como um todo, o Plano de Prioridades do governo funciona como uma espécie de plano tático. Na maioria das vezes, tem sido chamado de Plano Estratégico do Governo. Na realidade, o rótulo é o que menos importa: o valioso é ter uma agenda de prioridades claras, com alocação de responsabilidades e recursos, devidamente negociada com os demais poderes públicos e os principais agentes privados envolvidos.

    [11] Esse tema é abordado em Figueira (2019).

    [12] Fonte: Macroplan, adaptado de Covey (2017).

    [13] Este é um dos fatores críticos de sucesso do Programa Alfabetização na Idade Certa (PAIC) do Estado do Ceará.

    [14] Morelli (2019a).

    [15] Esse tema já foi abordado amplamente em dois Policy Papers desta série da Macroplan: Morelli (2019a) e Morelli et al. (2019b).

    [16] Tofler (1991).


    Referências Bibliográficas

    BARROS, Ricardo Paes de (Insper/IAS); COUTINHO, Diana (Enap); SOARES, Camila (Insper/IAS). “Políticas públicas com base em evidência – Estamos fazendo? Como devemos fazer?”. Brasília: Enap, jul 2019. Disponível em: https://www.enap.gov.br/documentos/Enap_Fronteiras-_ricardo.pdf. Acesso em: 8 nov 2019.

    BRANT, Fernando; NASCIMENTO, Milton. “O que foi feito deverá” (música). In: Clube da Esquina II (álbum). Rio de Janeiro: EMI, 1978. Disponível em: https://www.letras.mus.br/milton-nascimento/47439/. Acesso em: 5 nov 2019.

    FIGUEIRA, Gilberto. “Gestão de investimento público: questões centrais e proposta de um modelo”, Policy Papers. Rio de Janeiro: Macroplan, abr 2019.

    GODET, Michel. Prospective et planification stratégique. Paris: Economica, 1985.

    LISBOA, Marcos. “Protocolo”, Folha de S.Paulo, 20 out 2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcos-lisboa/2019/10/protocolo.shtml. Acesso em: 5 nov 2019.

    MACROPLAN. Adaptado de COVEY, Franklin. As 4 disciplinas da execução. Rio de Janeiro: Alta Books, 2017 .

    MORELLI, Gustavo. “Novas formas de concertação estado-município para acelerar a produção de resultados”, Policy Papers. Rio de Janeiro: Macroplan, fev 2019a. Disponível em: https://www.macroplan.com.br/publicacoes/. Acesso em: 5 nov 2019.

    __; NEVES, Glaucio. “Gestão para resultados, quais os principais desafios?”, Policy Papers. Rio de Janeiro: Macroplan, mar 2019b. Disponível em: . Acesso em: 8 nov 2019.

    TOFLER, Alvin. Powershift, as mudanças de poder. Rio de Janeiro: Record, 3ª ed., 1991.

    Elaboração

    Claudio Porto | Autoria

    Adriana Fontes | Revisão técnica

    Kathia Ferreira | Revisão de texto

    Luiza Raj | Projeto gráfico

    Tatiane Limani | Projeto gráfico