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Ilhabela vive benefício e risco dos royalties

24 de setembro de 2017
Cerca de 10 quilômetros separam duas grandes estruturas de concreto inacabadas em Ilhabela, cidade turística no litoral norte de São Paulo. São projetos iniciados com dinheiro dos royalties do petróleo, mas suspensos pelo Ministério Público.

Ao lado da orla repaginada com pavimentação colorida e esculturas do artista local Gilmar Pinna, os dois edifícios são os sinais mais visíveis da bonança vivida pela cidade desde o início da produção do campo petrolífero de Sapinhoá, na bacia de Santos, em 2013.

Também são um sinal de alerta. O município pode estar repetindo erros já cometidos por outras cidades no litoral norte fluminense, os primeiros novos-ricos do petróleo do país, que sofrem hoje com a queda nas cotações internacionais do barril.

Ilhabela é a principal beneficiada pela arrecadação de royalties e arrecadações especiais do petróleo em São Paulo. No primeiro semestre, recebeu R$ 221,6 milhões, mais de cinco vezes o que ganhou a vizinha São Sebastião.

Entre 2012 e 2016, a receita do município cresceu 94%, já descontada a inflação -em 2016, foi a quarta cidade com maior receita per capita do país, com R$ 12.812 por habitante. Para este ano, a previsão de receita é de R$ 468 milhões, 11% a mais do que o realizado no ano anterior.

Os edifícios foram projetados para abrigarem um teatro e centro de convenções, mais um centro de educação em tempo integral. O primeiro foi embargado porque não respeita o código de posturas do município. O segundo, por danos ambientais.

Um terceiro projeto paralisado é o Aquabus, sistema de transporte aquaviário entre os dois extremos da ilha. Compradas por R$ 1,46 milhão cada uma, as três embarcações do projeto estão paradas sem uso em uma marina da vizinha Caraguatatuba.

Prédios faraônicos e gastos com urbanização também foram comuns nas prefeituras do Rio durante a bonança. Assim como elevados gastos na contratação de artistas para shows gratuitos -em 2017, Ilhabela gastou mais de R$ 6 milhões para shows e patrocínios a eventos.

Em estudo sobre o tema, divulgado em 2012, a consultoria Macroplan identificou que as prefeituras beneficiadas por royalties experimentaram crescimento desordenado, pressão por serviços públicos e não investiram em políticas para um desenvolvimento sustentável.

“O maior erro de prefeituras com royalties é transformar uma riqueza temporária em custos permanentes, que depois terão dificuldade de cortar”, diz o presidente da consultoria, Claudio Porto.

Um dos principais problemas detectados na pesquisa, diz ele, é o crescimento das despesas de custeio. Em Ilhabela, os gastos com pessoal cresceram 77% entre 2015 e a previsão para 2017, que é de R$ 143,9 milhões.

“A prefeitura acelerou as obras na orla e deixou a desejar nos bairros”, analisa a vereadora Salete Salvanimais (PSB), que compõe um bloco de oposição à gestão do prefeito Márcio Tenório (PMDB).

Salete alerta para o risco de que o dinheiro do petróleo acelere o processo de crescimento desordenado da cidade, que tem 18 pontos de favelização detectados e apenas 40% das residências com saneamento básico.

A diarista Maria de Lurdes Jesus dos Santos, 37, vive num desses pontos, no bairro de Itaquanduba. Ela e os dois filhos, de 3 e 9 anos, moram em frente a um córrego onde corre esgoto a céu aberto.

“Em dias de muito calor, faz um mal danado para as crianças”, diz a trabalhadora.

Tenório diz que saneamento e regularização fundiária são prioridades e terão um orçamento de R$ 40 milhões por ano. A meta é universalizar o serviço de água e esgoto em quatro anos.

“As obras paradas são o maior desafio desse meu início de governo”, disse à Folha. A prefeitura está refazendo os projetos em busca de aval para concluir as obras.

O peemedebista justifica os gastos com shows e eventos como investimento para atrair turistas para o município