Os 100 maiores municípios (100+) do Brasil concentram 39,3% da população do país, 53,3% dos empregos formais e 48 % do PIB. [1] São neles que estão boa parte da riqueza do país e a massa de capital humano e financeiro que movimenta nossa economia. Compreender a dinâmica destas cidades permite o desenho de soluções públicas e privadas mais efetivas.
Apesar de pujantes e de representarem o motor do Brasil, este grupo seleto de municípios ainda convive com desafios do século XIX e um deles é o de universalização do saneamento básico.
1. O avanço em saneamento nas 100+ foi lento na década[2]
A melhora nos indicadores de saneamento nas 100+ acontece na década, mas em uma velocidade aquém da desejada. De maneira geral, o desempenho deste conjunto é melhor do que as taxas nacionais, porém os avanços na década foram lentos.
Figura1. Atendimento total de água
Figura 2. Atendimento de esgoto
Figura 3. Perdas na distribuição de água
Figura 4. Esgoto tratado
Apesar da trajetória de melhora, alguns municípios fugiram a tendência da década e retrocederam em seus índices entre 2018 e 2019: 33 pioraram em atendimento de água; 14 em atendimento de esgoto; 24 em tratamento de esgoto; e 43 em perdas de água.
A universalização dos serviços de saneamento ainda é um desafio para grande parte dos municípios. Como demonstração do tamanho do desafio nessa área, há um total de 30 municípios que não alcançaram 95% de atendimento de água, 61 municípios ainda estão abaixo de 90% no atendimento de esgoto e apenas 18 tiveram índice de esgoto tratado igual ou superior a 90%.
Observa-se que algumas cidades se destacam e outras ainda têm grandes defasagens nos indicadores.
2. Acelerar o passo requer investimentos
Enfrentar os desafios de melhoria nas condições de saneamento no Brasil e nas 100 maiores cidades requer também aceleração do crescimento dos investimentos na área. Em 2007, foi sancionada a Lei n° 11.445 que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico e para a política federal de saneamento básico com o objetivo de levar os serviços de saneamento para todos os brasileiros. Em 2008, foi assinado o Pacto pelo Saneamento Básico[3], com a participação de diversos entes governamentais, da sociedade civil e do mercado, para discutir os requerimentos necessários para a universalização dos serviços. Esta iniciativa culminou na criação do Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSA[4]) em 2013, que estabeleceu a meta para a universalização do saneamento em todo o país até 2033. Nessa primeira versão, os investimentos totais para a universalização, a serem realizados pelos Governo Federal, Estados, Munícipios, Empresas Estatais e Concessionárias de Saneamento, foram estimados em R$ 392 bilhões[5].
O PLANSAB[6], estabeleceu também, marcos temporários para os investimentos entre 2014-2018, 2018-2024 e 2024-2033. Em sua primeira Edição de 2014, o PLANSAB definiu que um maior volume de investimentos deveria ser realizado no quinquênio 2014-2018, totalizando R$ 162 bilhões neste período, representando 42% dos investimentos definidos no Plano.
Figura 5. Comparativo de Investimentos para Universalização do Saneamento.
Entretanto, os investimentos realizados entre 2014 e 2018 totalizaram apenas R$ 63 bilhões, ou seja, menos de 39% ou R$ 98 bilhões a menos que o estabelecido pelo PLANSAB. Em 2019, o PLANSAB foi atualizado e os investimento totais para a universalização até 2033 passaram para R$ 420 bilhões.
Os 100 maiores municípios do Brasil (100+) somaram mais de 50% dos investimentos realizados para a melhoria dos serviços de água e esgoto no Brasil entre 2009 e 2019, proporção superior ao peso populacional. Os investimentos realizados pelas 100+ acumulam um estoque de investimento de aproximadamente R$ 60 bilhões até 2019, sendo R$ 29,1 bi em serviços de água e R$ 23,9 bi em serviços de esgoto[7],[8].
Figura 6. Investimentos nos serviços de atendimento de água nas 100+ cidades entre 2009 e 2019
Figura 7. Investimentos nos serviços de atendimento de Esgoto nas 100+ cidades entre 2009 e 2019
Em 2019, a cobertura dos serviços de distribuição de água era de 93,3%, enquanto a cobertura do serviço de atendimento de esgoto era de somente 74% nos 100+. A Região Sul apresentava o melhor atendimento para o serviço de água (99,6%), enquanto a Região Sudeste apresentava o melhor atendimento de esgoto (87,9%). Por outro lado, a Região Norte apresentava o prior atendimento tanto em água quanto em esgoto entre os 100+.
Figura 8. Índices médios de atendimento dos serviços de água e esgoto.
O estudo “Quanto custa universalizar o saneamento no Brasil?” elaborado pela KPMG e ABCON, estimou que serão necessários investimentos de R$ 101,4 bilhões de reais para universalizar os serviços de água e esgoto nos 100+ no período de 2018 a 2033, sendo que 72% dos investimentos deverão ser feitos em esgoto para universalizar o serviço partindo de um nível de atendimento baixo de 74%. Já os investimentos em água representam 28% do total de investimentos para universalizar o atendimento de água pois já tem um nível de atendimento elevado de 93%. Os municípios das Regiões Sudeste e Nordeste dos 100+, que concentram 76% da população, requererão 70% do total de investimento necessários para a universalização.
Figura 9. Investimentos necessários para a Universalização dos serviços de saneamento básico nas 100+
A média de investimentos realizados em saneamento nos últimos 6 anos nos 100+ foi de R$ 5,4 bilhões/ano nos últimos 6 anos (2014 a 2019), sendo R$ 3,2 bilhões em água e R$ 2,2 bilhões em esgoto. Mas serão necessários um total de R$ 6,7 bilhões/ano, sendo 1,8 bilhões/ano em água e R$ 4,8 bilhões/ano em esgoto. Mantidos os níveis de investimentos médios anuais dos últimos 6 anos, a universalização da água em todos os 100+ poderia ser alcançada em 2026, mas a universalização do esgoto acontecerá somente em 2050. Entretanto, como a titularidade da prestação dos serviços é municipal, se analisarmos município a município, chegaremos à conclusão de que somente 38 dos 100+ conseguirão universalizar os serviços de água e saneamento até 2033, considerando o modelo atual. Se quase dois terços dos 100+ não conseguirão atingir a universalização até 2033, pode-se imaginar o imenso desafio que os outros municípios menores, principalmente aqueles com algumas dezenas de milhares de habitantes ou menos, terão para realizar tal meta.
Com intuito de mudar esse cenário e acelerar o crescimento do atendimento dos serviços de saneamento e viabilizar a universalização em todos os 5.570 municípios conforme previsto no PLANSAB, em 15 de julho de 2020, foi aprovado um novo marco legal do saneamento básico, a Lei n° 14.026/2020 (Novo Marco Regulatório de Saneamento), que estabelece as seguintes diretrizes principais:
- Universalização dos serviços de saneamento, com atendimento de 99% da população com água potável e 90% com coleta e tratamento de esgoto, em todos os municípios brasileiros até 2033;
- Atribui competência à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) para instituir normas de referência para a regulação dos serviços de saneamento, incluindo: padrões de qualidade e eficiência dos serviços, manutenção e operação dos sistemas, regulação tarifária, padronização de instrumentos contratuais, metas de universalização, contabilidade regulatória, cálculo de indenização e regras sobre caducidade, dentre outros.
- Abertura do mercado para a concorrência, tornando obrigatório a abertura de licitações públicas para operadores públicos e privados para a celebração de novos contratos de concessão, ficando vedada a renovação dos contratos mediante contrato de programa, assim como convênios, termos de parceria ou outros instrumentos de natureza precária.
- Exigência de comprovação, pelos concessionários, da capacidade econômico-financeira para universalização dos serviços de saneamento até 2033, com recursos próprios ou contratação de dívida, em todos os municípios em que possuem contratos de concessão.
3. Dez recomendações para acelerar a agenda de Saneamento nas 100 maiores cidades do Brasil
A superação do desafio de levar bons serviços de saneamento para todos requer um esforço conjunto dos setores público e privado em termos de regulação, qualificação da demanda, melhoria dos contratos de concessão, eficiência operacional e financiamento.
- Consolidar o Novo Marco Regulatório de Saneamento na direção de um ponto de não retorno, com previsibilidade e estabilidade regulatória para os atores públicos e privados, apoiando a ANA na elaboração e consolidação das novas normas regulatórias nacionais.
- Capacitar as Agências Reguladoras de Saneamento locais e regionais para a aplicação e monitoramento eficiente das novas normas nacionais estabelecidas pela ANA aos prestadores de serviço de saneamento públicos e privados.
- Organizar os arranjos territoriais que permitam ganhos de escala e viabilidade para universalizar o atendimento nas periferias de grandes cidades ou regiões metropolitanas, assim como em municípios de pequeno e médio portes do interior (Regionalização).
- Acelerar a transformação organizacional das empresas estatais de saneamento no sentido de aprimorar a governança, a gestão de riscos, a eficiência operacional e financeira e a sustentabilidade ambiental para cumprir com as metas de universalização nos municípios que operam.
- Potencializar os investimentos privados no setor, com desenvolvimento contínuo de pipeline qualificado, renovado e crescente de bons projetos de concessão plena de água e esgoto ou parceria público-privada (PPP) para tratamento de esgoto.
- Fortalecer a segurança jurídica dos contratos de concessão estabelecendo cláusulas padrões e eficazes de monitoramento da qualidade e cobertura dos serviços, alocação de riscos e resolução de conflitos.
- Fortalecer o mercado de capitais, desenvolvendo mecanismos de abertura de capital de empresas de saneamento e arranjos financeiros para atração de capital nacional e internacional para o setor.
- Aumentar a eficiência operacional dos operadores públicos e privados para redução de perdas e melhoria da qualidade dos serviços prestados.
- Modernizar o setor, com a incorporação de tecnologias de gestão e operação que permitam amplos ganhos de eficiência operacional e melhor relacionamento com os usuários dos serviços.
- Criar incentivos para o desenvolvimento de fundos e instrumentos de financiamento verde e sustentável (green finance) de longos prazos para investimentos de expansões e novos projetos de saneamento.
Autores
Macroplan:
- Glaucio Neves – Sócio Líder do Setor Empresarial
- Adriana Fontes – Sênior Líder Economia
- Roberta Teixeira – Consultora Data Analytics
KPMG:
- Mauricio Etsuo Endo – Sócio Líder do Setor de Governo e Saneamento
[1] Fonte: Macroplan com base no IBGE e RAIS
[2] Resumo do estudo Desafios da Gestão Municipal 2021. www.desafiodosmunicipios.com
[3] https://www.gov.br/mdr/pt-br/assuntos/saneamento/processo-de-elaboracao-de-plano/pacto-saneamento-basico-e-cidadania
[4] https://antigo.mdr.gov.br/images/stories/ArquivosSNSA/PlanSaB/plansab_texto_editado_para_download.pdf
[5] A preços reais atualizados para dezembro de 2017,
[6] PLANSAB 2014.
[7] Dados elaborados a partir do SNIS 2019. 7 Sendo R$ 7 bi referentes à recomposição de investimentos relacionados à depreciação dos ativos de saneamento.
[8] Dados elaborados a partir do SNIS 2019. 7 Sendo R$ 7 bi referentes à recomposição de investimentos relacionados à depreciação dos ativos de saneamento.