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Estratégia de valor em tempos de incerteza

31 de março de 2021
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    Andréa Belfort & Glaucio Neves

    Estratégia significa pensar à frente, entender o contexto de atuação e vislumbrar oportunidades para agir hoje na construção de uma trajetória bem-sucedida de futuro. É saber aonde se quer chegar, superando as limitações e, sobretudo, estando consciente do que oferecer aos clientes, acionistas e colaboradores e de como contribuir para o progresso da sociedade.

    Ter estratégia é ainda mais relevante em momentos como o atual, de muita incerteza, com multiplicidade de crises e rupturas nos modos de operar os negócios, cada vez mais digitais e automatizados. Mas como adotar uma estratégia empresarial que gere valor continuamente num ambiente de volatilidade e aceleração? Como preparar os negócios para que sejam mais resilientes e longevos mesmo em tempos de crise aguda?

    Essas são perguntas complexas que remetem a uma série de disciplinas de gestão. Neste paper trataremos dessas perguntas no âmbito dos métodos de planejamento e de gestão estratégica. O pressuposto é o de que uma empresa competitiva precisa, antes de tudo, identificar que valor ela pretende entregar a cada um dos atores por ela impactados, qual o seu diferencial e por que ela pode contribuir (o seu propósito).

    1. A geração de valor como indutora da estratégia empresarial

    Uma boa estratégia deve ser formulada e executada com o objetivo de se entregar valor superior às partes interessadas (stakeholders) de forma sustentada no tempo, independentemente do setor ou do espaço em que se pretende atuar. Mas o que significa “valor superior” e “de forma sustentada no tempo”?

    Na perspectiva empresarial, significa maximizar os ativos tangíveis e intangíveis da empresa, em ambiente competitivo e cooperativo, para aumentar o retorno aos acionistas no médio e longo prazo, de forma sustentável, com respeito ao meio ambiente, às regras da economia e à sociedade. Muitas vezes o valor gerado para o acionista é medido pelo fluxo de caixa descontado, por um múltiplo do mercado, pelos lucros por ação (earing per share) ou, simplesmente, pelo valor patrimonial do negócio ou do portfólio de negócios no tempo. E para que esses indicadores se sustentem, é preciso haver orientação de longo prazo que calibre dinamicamente a maximização de resultados no curto prazo – é tarefa tanto dos CEOs quanto dos conselheiros de administração a definição e a gestão da estratégia.

    A perspectiva da geração de valor como ponto de partida dos processos de planejamento induz o “planejador” a entender, internamente, quais são as alavancas e os riscos do(s) seu(s) negócio(s)[1] e, externamente, a compreender os sinais do mercado que permitem antecipar-se às mudanças no seu ambiente de atuação. A estratégia baseada em valor inverte a lógica usual e conduz a alocação dos melhores recursos empresariais em função dos objetivos finais do negócio, aqueles que justificam as escolhas estratégicas, e não em função dos meios e dos recursos de suporte.

    A estratégia também desafia os líderes a irem além do planejamento linear (baseado na sequência racional de planejamento e execução a partir dos recursos existentes) para o planejamento mais flexível e adaptável. Este segundo tipo de planejamento incorpora, nos seus ciclos de gestão, as estratégias emergentes[2] e os experimentos como forma de teste[3] e de adaptação dinâmica da consistência estratégica ao longo da jornada de formulação e execução.

    2. Os pilares da estratégia orientada para geração de valor

    Uma estratégia pode ser compreendida como um conjunto de grandes escolhas que orientam a construção de uma visão de futuro de médio e longo prazo para um dado segmento da realidade (empresarial, econômica, social, ambiental ou tecnológica), sob condições de incerteza[4].

    Ter uma boa estratégia, elaborada e bem comunicada, que mobilize as partes interessadas a mover-se na direção do futuro, não é tarefa simples. Mas, quando bem construída, apresenta os seguintes benefícios.

    Figura 1: Funções da estratégia orientada para geração de valor

    Fonte: Adaptado deHenry Mintzberg, Bruce Ahlstrand e Joseph Lampel, Safári de estratégia (1998).

    Para a construção de uma estratégia orientada para a geração de valor é preciso compreender os pilares que devem suportar todo o processo de formulação e execução.

    Figura 2: Pilares da estratégia orientada para geração de valor

    Pilar 1: Combina antecipação, escolha e ação

    Uma boa estratégia é aquela que harmoniza a competência dos tomadores de decisão em enxergar e compreender o futuro com a capacidade de lidar com trade-offs, fazendo escolhas claras sobre o que é essencial, sobre o que não fazer e, o mais difícil, o que deixar de fazer. Mas somente enxergar o futuro e lidar com trade-offs não é suficiente, pois a geração de valor tem relação com a execução. Tirar as ideias do papel e transformá-las em ações e resultados é um dos principais desafios estratégicos de uma empresa.

    Pilar 2: Envolve visão prospectiva e escuta ativa

    Olhar à frente em um ambiente cada vez mais volátil, incerto, complexo e ambíguo (ou VUCA – iniciais de volatility, uncertainty, complexity e ambiguity) requer cada vez mais executivos de mente aberta que usem modelos ou abordagens capazes de apoiar os decisores na compreensão desse ambiente, onde a descontinuidade tende a ser muito mais “normal” do que a estabilidade. A volatilidade exige resiliência no caminho e coerência no objetivo final, ao passo que a incerteza requer maior capacidade de lidar com cenários alternativos, que podem ser desenhados por meio da antecipação, da escuta ativa, da discussão e da apropriação daí decorrentes para melhorar a tomada de decisão.

    Já a complexidade, fruto da interconexão dos fatores multivariados e diversos cada vez mais presentes em qualquer ambiente de negócios, faz com que, paradoxalmente, se busque a simplicidade de modelos para concentrar-se na essência do que é mais importante e nos focos prioritários. Por outro lado, para navegar em um momento de ambiguidade, as empresas precisam combinar agilidade estratégica e resiliência, para agir e reagir em tempo hábil; experimentar, avaliar e corrigir produtos e processos continuamente; e ter flexibilidade e adaptabilidade para contornar os obstáculos sem jamais perder a visão de longo prazo.

    Figura 3: Agilidade estratégica e resiliência

    Fonte: Macroplan

    Pilar 3: Harmoniza a visão interna com a externa

    Variáveis macroeconômicas, condições políticas, rupturas tecnológicas, assim como as dinâmicas competitivas setoriais externas, costumam influenciar em até 45% a oportunidade de lucro das empresas[5]. Concentrar-se excessivamente nos aspectos internos da organização implica deixar boa parte desses fatores estratégicos “fora da agenda”. O balanço entre a visão interna, com a identificação clara de gargalos e potencialidades, e a externa, com a percepção das oportunidades e dos riscos externos do presente e do futuro, aumenta a acurácia na formulação de estratégias orientadas para geração de valor.

    Pilar 4: Prioriza a solução de problemas estratégicos

    A diferença entre um problema estratégico e um problema operacional reside na intensidade e na duração dos impactos que geram e na complexidade das variáveis e das questões envolvidas. Um problema estratégico costuma ter características difusas, com causas variadas, implicando a combinação de soluções de diversas naturezas. Já um problema operacional caracteriza-se por ser circunscrito, por ter causas conhecidas e soluções objetivas baseadas em métodos. A estratégia deve endereçar solução para problemas dessas duas naturezas, com maior atenção e intensidade de gerenciamento para os estratégicos, que, quando solucionados, têm alto potencial de alavancar o desempenho empresarial no horizonte de planejamento.

    Pilar 5: Apoia-se em fatos, evidências, e é datadriven

    A utilização de fatos[6], evidências[7] e técnicas de analytics para suportar as decisões contribui, sobremaneira, para incrementar a qualidade do processo decisório e funcionar como uma espécie de seguro preventivo contra erros crassos. Nossos cérebros frequentemente se apressam a chegar a conclusões rápidas sem muita ponderação[8]. A tomada de decisão estratégica, quando baseada somente na intuição dos estrategistas, costuma ser carregada de vieses de percepção que muitas vezes reduzem a qualidade do resultado esperado. A mente humana não consegue lidar com uma infinidade de variáveis que se correlacionam e com decisões intuitivas, bem-sucedidas no passado e em ambientes mais estáveis, mas que, na grande maioria das vezes, não funcionam mais. Não se trata de substituir o “fator humano” no processo, mas de agregar ciência para que mais e melhores decisões sejam tomadas em tempo curto. 

    Pilar 6: Induz o mindset de resultados

    Um dos maiores desafios de um processo de planejamento estratégico é deslocar o olhar empresarial dos meios (outputs) para os fins (outcomes). Para além de métricas financeiras de resultado, é necessário entender os clientes, sua jornada, seus problemas não resolvidos e as potenciais lacunas de mercado decorrentes dessas observações. Mudar o mindset das pessoas para resultados que impactem diretamente os clientes não é fácil; é preciso persistência e ações que influenciem e desafiem as crenças preestabelecidas.

    Pilar 7: Mobiliza a empresa para inovação com foco no cliente

    Inovar é gerar valor. Portanto, sua efetividade é medida em função da aceitação dos produtos e serviços pelos clientes e do quanto estes estão dispostos a aportar na empresa, como contrapartida, seus recursos ou sua fidelidade. Processos criativos, de pesquisa ou experimentação, mas aleatórios e pouco orientados para a geração de valor, costumam ser fontes de desperdício de tempo e de recursos. Nos Estados Unidos, apenas 0,2% das invenções chegam ao mercado[9]. Muitas iniciativas se perdem pelo caminho ou são abandonadas por não apresentarem equilíbrio entre risco e retorno ao longo do seu pipeline.

    O processo de gestão da inovação deve ser conduzido de forma disciplinada, com método e em interação constante com a rede de valor da empresa e do ecossistema de inovação. Inclui ainda a formação de parcerias com empresas dinâmicas para acelerar seu processo de desenvolvimento e oxigenar a empresa com novas ideias e conexões não convencionais. 

    Pilar 8: Constrói uma narrativa de futuro poderosa

    Uma boa narrativa é aquela que relata, de forma envolvente, uma série de experiências ou eventos relacionados entre si, sendo capaz de contaminar e engajar os corações e mentes das pessoas. A narrativa estratégica deve ser capaz de vender o futuro aos stakeholders de forma atraente, simples, consistente e inteligível para todos, lançando mão das melhores tecnologias e técnicas.

    Muito mais do que razão e elementos factuais que justificam a estratégia elaborada, uma boa narrativa estratégica deve capturar as emoções das pessoas e apreender o interlocutor.

    3. Do planejamento linear à inteligência estratégica

    A jornada entre planejamento e execução é feita de aprendizados e constantes correções de rumo. Nem tudo o que é planejado acontecerá exatamente conforme previsto, muitas vezes por falhas de gestão, mas outras vezes por conta do dinamismo do ambiente externo, com o surgimento de oportunidades e ameaças sem previsibilidade aparente.

    Os sistemas de planejamento orientados para geração de valor devem ser concebidos para produzir aprendizado organizacional sistemático e transformar em ação as estratégias emergentes. Para tal, precisam avançar do planejamento linear de longo prazo, racional e rígido, para um modelo de inteligência estratégica, cujos componentes retroalimentam-se em ciclos curtos. Vale dizer: um modelo aberto e flexível para captar sinais do ambiente em tempo real, com o uso de tecnologia, e agir em tempo hábil; agregador e colaborativo, para engajar as pessoas na tomada de decisão e na execução ao longo do ciclo; inteligente e dinâmico, para aumentar a compreensão sobre as incertezas e permitir à empresa navegar entre as diversas possibilidades de futuro.

    Figura 4: A transição do planejamento linear para a inteligência estratégica

    Fonte: Autores

    4. A jornada da estratégia orientada para geração de valor

    O ciclo da estratégia – ou do planejamento – é análogo à forma como o cérebro humano funciona para chegar a determinada decisão. O cérebro atua basicamente como um órgão gerador de possibilidades (cenários) que subsidiarão o processo de tomada de decisão. Nesse sentido, o cérebro constantemente mapeia o ambiente, interpreta a informação recebida, identifica futuros alternativos, objetivos e ações associadas, decide o que fazer, age e certifica-se de que todas essas etapas foram cumpridas, monitorando e avaliando os resultados[10].

    Todo esse ciclo é “rodado” inúmeras vezes na mente humana, assim como deve operar em ciclos rápidos (ver Figura 5) para as decisões empresariais. Quanto mais estratégicas as decisões, maior a necessidade de percorrer todo o ciclo, de forma a melhorar a qualidade das decisões e as ações decorrentes, bem como analisar os resultados, refletir e aprender sobre eles em um círculo virtuoso de aprendizado organizacional para a geração de valor. Toda empresa competitiva precisa desenvolver uma capacidade de aprendizado estratégico para responder rapidamente às mudanças e obter uma vantagem sustentável no tempo[11].

    Figura 5: Círculo virtuoso de aprendizado organizacional para a geração de valor

    Fonte: Autores. Inspirado no modelo TAIDATM, elaborado por Mats Lindgren e Hans Bandhold em Scenario Planning: the Link between Future and Strategy (Great Britain: Palgrave, 2003, p. 93).

    A construção da estratégia orientada para valor percorre as etapas do ciclo, resumidas a seguir. Sob a perspectiva empresarial, a estratégia precisa funcionar como um organismo vivo e coletivo que engaja a liderança na discussão e na execução estratégica, mobilizando todos na geração e entrega de valor.

    Tracking & Analysing: rastreia os eventos; captura sinais fortes e fracos de fenômenos que impactam a empresa; compreende o ambiente externo; identifica tendências; constrói cenários plausíveis; vislumbra oportunidades e ameaças; analisa o ambiente interno; reconhece potencialidades e fragilidades; distingue vantagens competitivas; e enumera ideias de estratégia como possibilidades de ação.

    Imaging & Deciding: imagina e concebe a visão futura, trazendo à tona imagens vívidas da intenção e do relacionamento emocional com o desejo, que mobiliza e permite a apropriação coletiva; depura o valor a ser entregue para cada parte interessada; define o propósito e as regras de comportamento organizacional; escolhe, entre as opções de estratégias, o que fazer, que enfoques estratégicos priorizar, que objetivos e metas concretamente perseguir, como atingi-los e por onde começar.

    Acting e Monitoring: age e monitora indicadores e riscos em ciclos rápidos, gerando a cadência da execução, da avaliação e da correção de rumos; ajusta sempre que necessário e incorpora o aprendizado; comunica sempre: a estratégia, as pequenas e rápidas vitórias (quick wins) e as grandes conquistas, o aprendizado a partir da experimentação, dos erros e dos acertos; incorpora o emergente, reiniciando o ciclo; busca sinais e captura oportunidades, de forma dinâmica e ininterrupta.

    A estratégia de valor diante de uma crise disruptiva como a da covid-19

    Estamos diante de uma crise aguda que combina “altas doses” de incertezas conjunturais e estruturais. Diante de cenários como esse é necessário combinar avaliação situacional rápida e antecipação, com coordenação e ação organizadas em tempo real.

    Uma estratégia de valor nessas situações tende a ser mais defensiva, a fim de mitigar perdas, mas é nestes momentos que surgem boas oportunidades de exploração do mercado e de crescimento.

    Duas possibilidades precisam ser consideradas para se definir o que fazer:

    A empresa tem uma estratégia definida

    A empresa não tem uma estratégia definida


    [1] A. Rappaport, Gerando valor para o acionista. São Paulo: Atlas, 2001 (1981).

    [2] Henry Mintzberg, Bruce Ahlstrand e Joseph Lampel, Safári de estratégia (Porto Alegre: Bookman, 1998).

    [3] E.D. Beinhocker, The Origin of Wealth: Evolution, Complexity and the Radical Remaking of the Economics (Boston: HBR School Press, 2006, cap 11).

    [4] Macroplan – Prospectiva, Estratégia & Gestão.

    [5] Roquebert et al.,Markets vs. Management: What ‘Driver’ Profitability?”, Strategic Management Journal,Vol. 17 (8), 1996. In: Paul Paul Schoemaker, Profiting from Uncertainty – Strategies for Succeeding No Matter What the Future Brings (New York: Simon & Schuster, 2002, p. 6).

    [6] O que foi finalizado e não pode ser mudado e/ou alterado.

    [7] Correlações que indicam a existência de algo a partir dos fatos.

    [8] Rosling, Hans. Ronnlund, Anna R.. Factfulness: o hábito libertador de ter opiniões baseada em fatos. 1ª ed. – Rio de Janeiro: Record 2019

    [9] Fonte: US Patent & Trademark Office.

    [10] Mats Lindgren e Hans Bandhold, Scenario Planning: the Link between Future and Strategy (Great Britain: Palgrave Macmillan, 2003).

    [11] Pitersen, Willie. Strategic Learning: How to Be Smarter Than Your Competition and Turn Key Insights Into Competitive Advantage EUA, John Wiley & Sons Record 2010