Três Cenários Exploratórios
1. O Covid-19 e a economia brasileira em 2020
A pandemia do COVID-19, inédita para os padrões do mundo contemporâneo, com fortes impactos globalizando rapidamente, já chegou ao Brasil e começou a produzir impactos locais negativos que, com certeza, se ampliarão nos próximos dias e semanas. Mas permanecem duas incertezas críticas em relação à nossa economia: (1) qual será a intensidade dos impactos desta crise global sobre a economia brasileira? e (2) qual será a sua duração?
Para mapear expectativas relativas a essas duas incertezas conduzimos, entre 14 e 18 de março desse ano, uma sondagem (survey) junto a uma amostra direcionada a 247 integrantes de nossa rede, todas elas qualificadas e bem informadas: economistas, sociólogos, cientistas políticos, engenheiros, gestores sênior de empresas (algumas inclusive atuantes no mercado financeiro), pesquisadores e professores de universidades, ex-políticos, jornalistas; pessoas de todos os gêneros, faixas etárias variadas e residentes em cidades de todas as regiões do país. Trata-se, portanto, de uma amostra direcionada, porém diversificada, mas que não tem representatividade estatística se comparada com as expectativas de toda a população ou de um estrato específico. Do total da amostra, 150 dos consultados responderam a sondagem, uma taxa de resposta de 61%, bastante alta para pesquisas dessa natureza[1].
Em relação à primeira pergunta, os participantes tinham como opção de resposta uma escala de 0 a 100% sendo:
- de 0 a 50%: impacto muito baixo, baixo ou moderado; e
- de 51 a 100%: impacto alto ou muito alto.
Já sobre a segunda questão (duração), as opções de resposta variaram de 0 a 12 meses, sendo:
- de 0 a 6 meses duração muito curta ou curta; e
- de 7 a 12 meses: duração longa/ muito longa.
O resultado desta sondagem mostra que a quase totalidade dos respondentes está muito pessimista quanto à intensidade dos impactos do corona vírus sobre a economia brasileira: 86% acreditam que será alta ou muito alta. Em relação à duração, a convergência é menor: 59% acreditam que sua duração será muito curta ou curta, enquanto 41% acreditam que será longa ou muito longa.
A combinação das respostas obtidas[2] em dois eixos, um vertical com a intensidade dos impactos do corona vírus; e um horizontal com a sua duração, configura quatro cenários distintos com as respectivas probabilidades representadas na Figura 1, abaixo. O cenário “Impactos de alta intensidade, mas de curta duração” é o mais provável: 51%, segundo as expectativas dos respondentes.
FIGURA 1. Cenários sobre impactos do Corona vírus na economia brasileira
Fonte: Macroplan – Resultados de Sondagem em Março de 2020(150 respondentes entre 14 e 18 de março de 2020)
Como ainda estamos numa conjuntura muito volátil, na qual os fatos e as percepções mudam com grande rapidez, esta sondagem também captou como as expectativas dos respondentes tornaram-se mais pessimistas com o passar dos dias e mais conhecimento sobre os efeitos do corona vírus em outros países, ao longo dos dias 14 e 18 de março, como indicado na Figura 2 abaixo: nos últimos dois dias (17 e 18 de março) o cenário mais provável mudou para “Impactos de alta intensidade e de longa duração”: 60%; sendo que as probabilidades dos cenários de curta duração foram ‘zeradas’ no último dia da sondagem!
FIGURA 2. Evolução das expectativas sobre impactos do Corona vírus na economia brasileira
Fonte: Macroplan – Resultados de Sondagem em Março de 2020 (144 respondentes contabilizados entre 14 e 18 de março de 2020)
Além da volatilidade e rapidez da deterioração de expectativas de um grupo de pessoas qualificadas e bem informadas, à medida em que as notícias relativas à chegada do corona vírus ao Brasil evoluíram ao longo dos dias 14 e 18 de março, o que podemos antecipar com um ‘cruzamento’ mais amplo dessa sondagem com os contextos social e político do país?
Diante desse quadro, antecipamos três macro cenários plausíveis para o Brasil em 2020.
FIGURA 3. Três macro cenários para o Brasil em 2020
Fonte: Macroplan
As principais características desses três cenários estão descritas a seguir.
2. Três macro cenários para o Brasil em 2020
A pandemia do COVID-19, inédita para os padrões do mundo contemporâneo está produzindo fortes impactos que se globalizam rapidamente. Ela já chegou ao Brasil e começou a produzir impactos locais.
Tais impactos não são apenas econômicos: a inquietação da sociedade segue agora em progressão geométrica, qual o corona vírus, e sua insatisfação começou a se manifestar nas redes sociais e em panelaços, por enquanto restritos a algumas capitais. As repercussões políticas podem ser apenas passageiras e localizadas, ou assumir características disruptivas. O quadro atual é de muita incerteza e qualquer previsão mais assertiva, especialmente as baseadas apenas em modelos matemáticos e preditivos, não passa de um exercício de adivinhação[3].
É preciso um olhar mais amplo e plural, campo da análise prospectiva de boa qualidade. Por isso, apesar de todas as incertezas existentes, é melhor antecipar cenários plausíveis do que cair na paralisia ou na intuição pura e simples.
Como a Macroplan tem feito desde a sua fundação, há mais de 30 anos, usando as evidências e consolidando as análises qualificadas e prognósticos já disponíveis, além de mapear sinais sutis de fatos portadores de futuro, formulamos três macro cenários plausíveis para o Brasil em 2020.
2.1. O melhor cenário: A Reconquista da Normalidade
A realidade finalmente se impõe a todos os atores políticos.
O núcleo duro do Governo Federal muda. Em face da intensidade da crise, assume um comportamento cooperativo como seu novo padrão de relacionamento político-institucional, uma reviravolta surpreendente, mas positiva, no que tem pronta resposta dos principais atores políticos. Há uma espécie armistício prolongado e se adota um jogo político padrão “ganha-ganha”.
No novo jogo estabelecido harmonização e respeito às diferenças passam a ser “o novo normal”. Internamente, com impactos positivos diretos nos graus de acerto, nos níveis de confiança e na melhoria e aceleração das medidas de combate às crises da saúde pública, da economia e das maiores vulnerabilidades sociais.
Externamente, a grande novidade é o retorno aos antigos, mas muito bons padrões da diplomacia brasileira. A melhoria do cenário externo também ajuda: aceleram-se a velocidade e intensidade das boas respostas sanitárias e aos estímulos econômicos com propagação global. Inclusive a preferência para a importação de insumos essenciais para o enfrentamento do COVID como respiradores, máscaras, equipamentos e instrumentos hospitalares e outros insumos em grande escala e tempo recorde.
Como resultado, os impactos da crise na economia brasileira são intensos, mas de duração moderada e o 2º semestre já é de ampla recuperação.
1.2. O cenário mais provável: Aos Trancos e Barrancos[4]
É um cenário de continuidade do Brasil atual.
A realidade finalmente se impõe, ao conjunto de todos os atores políticos, mas “à brasileira”: pela metade, alternando mais com menos. Tréguas temporárias, alternando-se com temporadas de confronto: um jogo tipo “gangorra” ganha-perde-perde-ganha … empata …
O núcleo do Governo Federal muda de comportamento, mas apenas temporariamente, no princípio tornando-se mais cooperativo, mas com sucessivas recaídas de confrontação, no que tem resposta semelhante dos principais atores políticos.
A instabilidade do relacionamento continua sendo “o novo normal”. Com impactos imediatos positivos, mas que não se sustentam, mantendo baixos os níveis de confiança, o que atrapalha as medidas de combate às crises da saúde pública e da economia e deteriora vulnerabilidades sociais.
Externamente, não há novidade, especialmente no relacionamento com a China: tensão permanente variando apenas os níveis de ‘esticamento da corda’. Isso ocorre mesmo com a melhoria do cenário global de aceleração da velocidade e intensidade das boas respostas sanitárias e aos estímulos econômicos. O sistema produtivo brasileiro tem que se “virar quase sozinho” para atender às crescentes e urgentes demandas de insumos e equipamentos de saúde e manter o país funcionando.
Como resultado, os impactos da crise na economia brasileira são intensos e de duração prolongada. 2020 é mais um ano perdido.
2.3. O pior cenário: A Marcha da Insensatez[5]
É um cenário ainda improvável, mas infelizmente que entrou no campo do plausível.
Com a agudização da crise, o Brasil caminha para uma ruptura em relação ao quadro atual, numa escalada desenfreada ou desesperada de uma versão século XXI de autoritarismo populista. A realidade é dura e difícil e os laços de coesão social, já enfraquecidos, se rompem numa espiral ascendente de polarização. Do ponto de vista estratégico, será uma “vitória de Pirro”: ao final todos perdem, mesmo os vencedores.
As lideranças mais conservadoras e suas bases de apoio acentuam seu comportamento de confrontação e a tensão crescente – política e social – caminham para tornar-se “o novo normal”.
A instabilidade ascendente produz impactos negativos no combate às crises da saúde pública e da economia, que deterioram progressivamente. Instala-se uma dinâmica do “salve-se quem puder”.
Externamente, a novidade é uma piora progressiva no relacionamento com a China, a Europa e alguns países ‘inimigos’ nas Américas. Isso ocorre mesmo com a progressiva melhora do cenário global.
Como resultado, em sequência à saída dos ‘liberais de raiz’ da equipe econômica, os impactos da crise na economia brasileira tornam-se intensos e de duração prolongada com uma ruptura progressiva nas instituições políticas: as eleições municipais de 2020 são adiadas a pretexto de defesa da saúde pública, enquanto uma parcela minoritária da população brasileira, muito ativa, segue nas ruas e nas redes sociais bradando por “intervenção militar já”.
FIGURA 4. Síntese comparativa dos três macro cenários para o Brasil em 2020
Fonte: Macroplan. Março de 2020.
3. Avaliação exploratória da plausibilidade dos três macro cenários
Neste momento, “aos trancos e barrancos” é o cenário mais provável, não só porque é o padrão que predomina no Brasil há um bom tempo, mas também pelas inferências que podemos fazer ao associá-lo à sondagem de expectativas. Se a intensidade dos impactos se revelar moderada (no limite: menor do que o hoje esperado) é certo ou quase certo que este cenário prevalecerá. Também tem boas chances de predominar mesmo se a intensidade dos impactos for alta ou muito alta. Na verdade, esse é um cenário que contribui para o prolongamento e a intensificação da crise.
O melhor macro cenário, “a reconquista da normalidade” terá mais chances de prosperar num panorama de corona vírus com alto impacto econômico e social, mas de curta duração (algo entre 2 e 3 meses até a superação da fase crítica da crise). Na verdade, pode acontecer um ciclo virtuoso aqui: quanto mais rápido se reconquistar a normalidade (político-institucional, principalmente), mais eficaz e resolutivo será o conjunto de ações anticrise. As chances desse macro cenário, decrescentes ao longo do tempo, poderão ter um momento de ressurgência se a intensidade da crise se prolongar muito: nesse caso seria mais por exaustão reativa (um convencimento, embora tardio, de que essa seria a melhor saída para o país) do que por adesão antecipatória. No entanto, se a intensidade dos impactos da crise do corona vírus se revelarem moderados, as chances da reconquista da normalidade são quase zero. Um paradoxo.
Por último, temos “a marcha da insensatez”. Hoje com probabilidade quase zero. Mas deve ser incluída no radar por conta do histórico do Brasil. Diante de crises que se prolongam e se agudizam, pelo menos parte de nossa sociedade clama por um salvador da pátria e temos, no nosso ‘DNA social’, profundas raízes de autoritarismo[6]. E o Brasil já passou isso na década de 1960-69. Assim como o corona vírus era apenas uma possibilidade remota, mas que foi brilhantemente antecipada por Bill Gates em 2014 em uma palestra no TED e que agora voltou a viralizar[7]. Na nossa avaliação, a “marcha da insensatez” tem chance zero de prosperar se a duração da crise for de curta duração, e alguma possibilidade, hoje muito remota, se a duração da crise for longa ou muito longa.
O que podemos antecipar com certeza é que, na vida real, nenhum desses cenários evoluirá exatamente como os descrevemos. A realidade é muito mais complexa e muitas vezes nos surpreende, mesmo que tenhamos feito todo o esforço de antecipação de possibilidades. Ainda bem que às vezes nos surpreende para melhor.
4. Conclusão: há esperança
Concluímos nossa avaliação prospectiva com uma reflexão esperançosa, quase otimista.
A história nos ensina que, numa crise, as resistências às mudanças e medidas drásticas diminuem muito e aumenta a propensão à colaboração. Nós, brasileiros, quando bem liderados e orientados somos muito colaborativos na solução de crises[8].
Basta lembrar da crise do apagão de energia em 2001: ao fim e ao cabo, a maior parte da solução foi sustentada pela sociedade e pelo sistema produtivo. Os governos, em todos os níveis, e bem liderados e coordenados pelo federal, sempre ajudaram, no que fizeram muito bem.
Ficha técnica
A Macroplan é uma empresa brasileira de consultoria com sede no Rio de Janeiro e atuação em todo o Brasil. Surgiu como spin off da Claudio Porto & Consultores Associados, no final da década de 80, e logo ingressou no mercado de consultoria do Brasil entregando um produto inovador – construção de cenários e prospecção de futuros – no 1º ciclo de planejamento estratégico da maior empresa do país: a Petrobras.
Pioneirismo, qualidade das entregas, capacidade de trabalhar com desafios complexos, construção de soluções customizadas e forte dedicação aos clientes são valores e traços característicos da atuação da Macroplan desde sua fundação.
Hoje somos reconhecidos pela introdução de pelo menos três grandes inovações no mercado de consultoria no Brasil.
Com a construção de cenários e prospecção de futuros, desde o início da década de 90 a Macroplan auxiliou governantes e governos, investidores, grandes empresas e instituições não-lucrativas a antecipar futuros alternativos de seus ambientes de atuação e identificar oportunidades e riscos para as suas políticas ou negócios atuais ou potenciais.
Nossa segunda grande inovação foi introduzir, no Brasil, o planejamento estratégico baseado em cenários. Neste campo, a Macroplan ampliou a capacidade de seus clientes de fazer boas escolhas estratégicas em contextos de alta incerteza e volatilidade, balanceando visão de longo prazo com flexibilidade tática para horizontes de tempo mais curtos.
A terceira onda de inovações emergiu com força nos últimos dez anos, quando a Macroplan disponibilizou ao mercado um novo conjunto de soluções que conformam a gestão estratégica orientada para resultados. Uma nova capacidade distintiva de consultoria que complementa as duas anteriores e que tem como foco a transformação das antecipações e escolhas estratégicas em ações e resultados relevantes para os públicos-alvo dos nossos clientes.
Ao longo de quase 30 anos de existência, atendemos a mais de 130 clientes – privados, públicos ou do 3º setor – com mais de 400 projetos em todas as regiões do Brasil, em setores e áreas muito diversas. Empresas dos setores de energia (óleo & gás e eletricidade), indústrias de base tecnológica, governos (federal, estaduais e municipais), instituições de ensino superior e tecnológico, instituições de desenvolvimento e de ciência & tecnologia e entidades de representação empresarial e de apoio a micro e pequenas empresas.
Conhecemos o Brasil como ele é e somos protagonistas da busca de um melhor futuro para o nosso país e nossos clientes. Por isso pesquisamos sistematicamente as potencialidades, fragilidades e perspectivas futuras do Brasil, dos seus estados e das 100 maiores cidades e disponibilizamos ao público uma boa parte desse conhecimento.
Por vocação e escolha, nossa especialidade é entregar resultados com visão de futuro.
Claudio Porto
Fundador e sócio da Macroplan. Economista. É reconhecido no mercado como um dos mais experientes profissionais brasileiros em análise e construção de cenários prospectivos e na formulação, monitoramento e gestão de estratégias com base em cenários. Tem publicações em revistas internacionais especializadas (“Prospective in Brazil: The power to build the future” in Technological Forecasting & Social Change, Elsevier, London, 2010, co-autoria com Andrea Belfort e Eduardo Marques). E é co-organizador, com Fábio Giambiagi, dos livros: “2022 – Propostas para um Brasil melhor no ano do bicentenário” – Elsevier, 2011; e “Propostas para o governo 2015-2018, uma agenda para um país próspero e competitivo” – Elsevier, 2014.
Raphaela Moreira
Economista. Trabalha em projetos de análise prospectiva, planejamento e gestão para resultados nos setores público e privado. Participou de projetos de planejamento estratégico sob cenários como Plano de Desenvolvimento de Longo Prazo de Goiás, Plano Estratégico da BB Seguros, Plano Estratégico do ONS e Plano Estratégico SESI-SENAI. Também atuou na Colômbia, na área de educação infantil bilíngue para instituições públicas.
Luiza Raj
Designer, com MBA em Marketing especializada em projetos editoriais. Coordenou e elaborou a comunicação visual e o tratamento gráfico de mais de 100 projetos de consultoria em meio impresso e eletrônico. Na Macroplan, é responsável pela comunicação, pelo tratamento gráfico dos documentos produzidos para todos os clientes e pelas mídias eletrônicas.
Anexo | “Memórias do Futuro”
Como esperávamos que o Brasil evoluísse até 2030 há pouco mais de um ano atrás …
CENÁRIOS PARA BOLSONARO
De O Globo, por Merval Pereira | 12/1/2019
Com citações da análise do historiador Jorge Caldeira e de um estudo do IPEA, além de sua experiência no campo da gestão pública, o economista Claudio Porto, fundador da consultoria Macroplan, especializada em planejamento e gestão, montou três cenários para o governo de Jair Bolsonaro que ora se inicia.
Para tanto, considerou o jogo de interesses de três grandes grupos de atores no país: os agentes econômicos, que demandam equilíbrio fiscal, crescimento sustentável e competitividade; as corporações, que reivindicam a manutenção de direitos especiais, privilégios e proteções; e a população, que hoje exige segurança, integridade, políticas e serviços públicos de qualidade e oportunidades de trabalho.
Porto alerta que não é possível superar o enorme passivo de problemas e desafios estruturais do Brasil em apenas quatro anos. Lembra que, como desataca o historiador Jorge Caldeira, na década de 1970, Brasil e China adotaram estratégias opostas de crescimento econômico.
O Brasil “mirou a economia interna e … previu construir, ao mesmo tempo, tudo o que faltava para o país virar uma grande potência… apostou no (mercado interno) e no Estado como o centro da economia … Já a China, país milenarmente isolado, anunciou que se atiraria aos negócios globais”.
A história é conhecida: em dezembro passado, a China celebrou os 40 anos das reformas econômicas que transformaram o país na segunda maior economia do planeta, com uma extraordinária redução de pobreza.
O Brasil desde os anos de 1980 cresce menos que a média mundial (Brasil 2,4% x mundo 2,9%). A China criou um setor privado exuberante, que aproveitou as oportunidades da globalização. Citando Caldeira, Claudio Porto ressalta que as empresas globais chinesas compram empresas brasileiras em penca.
Agora, Porto vê o otimismo brasileiro ressurgindo, prenunciando que uma mudança disruptiva pode estar em curso no país. Os gargalos fiscais e financeiros destruíram as margens de manobra, e será necessário, segundo sua análise, ao menos o triplo deste tempo para construir uma saída para o crescimento sustentável.
Por isso, a Macroplan projeta três cenários para o país para o horizonte 2019-2030: (1) globalização econômica inclusiva; (2) crescimento com desigualdade; ou (3) pacto da mediocridade.
Este jogo leva a um trilema que envolve um conflito distributivo: o País terá de fazer uma escolha entre as três opções, das quais apenas duas podem ser conciliadas simultaneamente, pois, na visão de Porto, não há margem de manobra para acomodações no curto e médio prazos.
O melhor cenário antecipa uma mudança radical do Brasil: uma aposta firme e continuada na globalização econômica inclusiva. 40 anos depois da China, as principais forças políticas, econômicas e sociais brasileiras escolhem apostar na inserção global de nossa economia e conjugar o atendimento das demandas dos agentes econômicos competitivos com as da população em detrimento das corporações.
Nesse ambiente, o país empreende sucessivos ciclos de reformas macro e microeconômicas com uma abertura progressiva e expressiva da economia. Forte ajuste fiscal estrutural, redução e focalização do gasto público, desregulamentação, desestatização e parcerias público-privadas.
Um ambiente de negócios previsível e seguro estimula a concorrência e atrai capital externo de qualidade. Estado compacto, com função empresarial reduzida e mais intenso como regulador e provedor de segurança nacional e jurídica. Além da segurança pública, a agenda social privilegia educação básica, proteção social aos mais vulneráveis, e política trabalhista que estimula o emprego.
Com essas medidas, a economia acelera o crescimento. Mas são previsíveis fortes resistências e pressões contrárias, especialmente nos anos iniciais. O rendimento médio de servidores públicos e aposentados sofre perdas significativas. E vários segmentos da indústria, comércio e serviços desaparecem ou são absorvidos por cadeias globais.
Do ponto de vista
econômico, este cenário se aproxima do “cenário transformador” de Cavalcanti
& Souza Júnior, publicado na Nota Técnica 41 do IPEA (4º trimestre de
2018), que estima taxas de crescimento médias do PIB e do PIB per capita de
4,0% e 3,4% ao ano, respectivamente.
O PERIGO DA MEDIOCRIDADE
De O Globo, por Merval Pereira | 13/1/2019
Na coluna de ontem tratamos da possibilidade de um cenário de crescimento saudável do país nos próximos anos, se o governo Jair Bolsonaro enfrentar os obstáculos políticos que tem pela frente. O economista Claudio Porto, fundador da consultoria Macroplan, especializada em planejamento e gestão, chamou-o de “globalização econômica inclusiva”.
Mas existem outros dois cenários possíveis na visão de Claudio Porto, considerando o jogo de interesses de três grandes grupos de atores no país: os agentes econômicos, que demandam equilíbrio fiscal, crescimento sustentável e competitividade; as corporações, que reivindicam a manutenção de direitos especiais, privilégios e proteções; e a população, que hoje exige segurança, integridade, políticas e serviços públicos de qualidade e oportunidades de trabalho.
O segundo cenário seria uma espécie de retorno aos anos 70: crescimento com desigualdade. A coalizão de forças políticas, econômicas e sociais dominantes assume uma ‘pegada nacionalista’ e novamente aposta no mercado interno, buscando conciliar as demandas dos agentes econômicos com as das corporações, em prejuízo de demandas da população.
Um cenário parecido ao padrão dominante no Brasil na década de 1970. As reformas econômicas, predominantemente liberais, avançam substancialmente nos planos fiscal e previdenciário, mas as mudanças microeconômicas são minimalistas, especialmente na abertura da economia, que evolui de forma muito lenta e gradual.
O peso do Estado na economia reduz um pouco. Ampliam-se as concessões e parcerias público-privadas. O ambiente de negócios melhora e o ajuste fiscal é alcançado ao longo dos quatro anos iniciais. A dívida pública começa a declinar.
Mas as desestatizações e as restrições aos privilégios das corporações são mais simbólicas do que reais, enquanto as políticas sociais sofrem restrições. A economia cresce, com pequeno aumento da produtividade e sem pressões inflacionárias.
A renda real média das famílias da ‘base da pirâmide’ cai e a desigualdade de renda aumenta. Do ponto de vista econômico, este cenário se aproxima do “cenário de referência” de Cavalcanti & Souza Júnior, do IPEA – taxas de crescimento médias do PIB e do PIB per capita de 2,2% e 1,6% ao ano, respectivamente.
Finalmente, temos o terceiro cenário. Um prolongamento do pacto da mediocridade que se acentuou nos últimos anos. As forças dominantes no país continuam prisioneiras da ‘armadilha da renda média’ e tentam conciliar o atendimento simultâneo de demandas da população com as das corporações, impondo entraves ao crescimento e à competitividade da economia.
No mais, algumas restrições simbólicas a privilégios. A agenda de reformas macro e microeconômicas, iniciada com grandes ambições, é progressivamente ‘desidratada’ e a carga tributária real aumenta. Uma trajetória parecida à da Argentina de hoje.
Neste cenário, as restrições fiscais diminuem temporariamente, com uma reforma da previdência minimalista, mas, no médio prazo, a dívida pública exibe trajetória arriscada, com alto risco de default. A inflação tem viés de alta. A agenda social combina a manutenção de proteções sociais com assistencialismo.
Do ponto de vista econômico, este cenário se aproxima do “cenário de desequilíbrio fiscal” de Cavalcanti & Souza Júnior: taxas de crescimento médias do PIB e do PIB per capita de 0,5% e -0,1% ao ano, respectivamente. Mais uma década perdida para o Brasil.
Porto ressalta que nenhum dos três cenários acontecerá exatamente como estão descritos e, muito provavelmente, a realidade os misturará, sendo a resultante incerta.
Os primeiros sinais antecedentes se tornarão mais visíveis no fim do 1º semestre de 2019. Para a Macroplan o maior risco, no curto prazo, é a “tentação do meio termo” que poderá levar o Brasil mais uma vez a resvalar para um pacto da mediocridade, uma vez que a força da inércia é muito forte entre nós.
Afinal, lamenta-se Claudio Porto, há quase 500 anos o País carrega o fardo das corporações e dos “direitos adquiridos” que foram institucionalizados em 1521 pelas Ordenações Manuelinas, e a sedução do populismo sempre está rondando o Brasil, governantes e governados.
[1] O total de respondentes foi 150, mas no cômputo das respostas dos dias 15 e 16 foram excluídas 6 respostas por estarem incompletas.
[2] Mediante emprego da técnica de impactos cruzados.
[3] A propósito v. o excelente artigo “Coronavírus, Ray Dalio e previsão em uma era de incerteza”, de Gillian Brightett, in FINANCIAL TIMES, edição de 18 de março de 2020.
[4] Equivalente a uma “travessia turbulenta”.
[5] Designação inspirada no livro, já clássico, “ A marcha da insensatez: de Troia ao Vietnã” escrito pela historiadora Barbara W. Tuchman, duas vezes laureada com o Prêmio Pulitzer. O livro aborda um dos maiores paradoxos humanos: a insistência dos governos em adotarem políticas contrárias aos próprios interesses. Em um texto fluido e envolvente, a autora destaca quatro conflitos históricos em que ações equivocadas tiveram em que ações equivocadas tiveram consequências desastrosas para milhares de pessoas: a Guerra de Troia, a reforma protestante, a independência dos Estados Unidos e a Guerra do Vietnã. Tais episódios mostram a impotência da razão ante os apelos da cobiça e os interesses individuais. Uma leitura fundamental em uma época em que a marcha da insensatez parece se acelerar a cada dia. Também título de um artigo publicado pelo economista Samuel Pessoa na edição da Folha de São Paulo de 15 de março de 2020.
[6] Quem tiver dúvida a respeito, leia Lilia M. Schwarcz “Sobre as Raízes do Autoritarismo Brasileiro”, Companhia das Letras, 2019.
[7] Bill Gates: “The next outbreak? We are not ready” (“A próxima epidemia? Não estamos ppreparados”) acessável em https://www.youtube.com/watch?v=6Af6b_wyiwI&feature=youtu.be
[8] Ver https://macroplan.com.br/covid-19-como-governantes-devem-reagir/