Projeto antagônico sobre o futuro das estatais
Por Simone Kafuri, do Correio Braziliense
O país fechou o ano passado com 144 empresas estatais federais, das quais 18 totalmente dependentes de recursos do Tesouro Nacional, e mais de 500 mil funcionários públicos. Além de sofrerem com ingerência política e servirem como cabide de empregos, companhias como Petrobras, Eletrobras, Correios, Caixa Econômica Federal e Valec, entre outras, já foram ou são alvo de escândalos de corrupção. Os programas de governo dos dois candidatos à Presidência da República — Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL) — são antagônicos no que diz respeito ao futuro das estatais. Para especialistas, no entanto, as propostas de ambos são extremistas e não poderão ser implementadas da forma como foram apresentadas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Bolsonaro promete reduzir em 20% a dívida pública por meio de privatizações de estatais, além de concessões e venda de propriedades imobiliárias da União. No plano, não fica claro quais serão extintas, quais serão vendidas e quais são consideradas estratégicas e permanecerão sob o controle do Estado. Sobre a Petrobras, propõe a venda de “parcela substancial de sua capacidade de refino, varejo, transporte e outras atividades”. Sobre a política de preços de combustíveis, o plano diz que a paridade com o mercado internacional será mantida, com “suavização de flutuações de curto prazo”.
Haddad, ao contrário, promete revogar todas as privatizações em curso, inclusive as do setor elétrico. O PT considera a Petrobras uma empresa “estratégica para o desenvolvimento” e quer a companhia verticalizada, com atuação em exploração, produção, transporte, refino, distribuição e revenda de combustíveis. O programa propõe reverter o plano de desinvestimentos em curso, é contra a paridade de preços internacionais e a favor do regime de partilha no pré-sal.
Para Sérgio Lazzarini, professor de estratégia do Insper, o histórico de interferência política e cabide de empregos das estatais fez com que a “turma liberal queira acabar com tudo”. “O PT tem um discurso de que estatal tem objetivo social”, afirmou. No entanto, ressaltou Lazzarini, nenhum dos dois planos são exequíveis. “Há limites para o que se consegue privatizar. Não dá para vender a Embrapa, por exemplo. A Infraero, ao lidar com aeroportos menores, ficará sem receita própria e não vai despertar interesse”, estimou. Já a privatização do setor elétrico poderia ser mantida. Sobre a Petrobras, o especialista observou que a atividade de refino pode ser feita pelo setor privado, sem prejuízo para o setor considerado estratégico. “A questão é que nada disso pode ser feito a toque de caixa”, ressaltou. O programa de Bolsonaro prevê acabar com a dívida pública em um ano com as privatizações.
Na opinião do especialista em finanças públicas da Tendências Fabio Klein, os governos petistas criaram muitas estatais. “Bolsonaro tem uma agenda mais liberal e privatizante, ainda que não esteja claro quais serão vendidas. Ele fala em manter uma ‘golden share’ nos setores estratégicos”, assinalou. Klein destacou que há muitas empresas dependentes do Tesouro, que está em situação complicada. “Por outro lado, é por meio das estatais que ocorre a maior parte dos investimentos públicos”, ponderou.
O economista Bruno Lavieri, da 4E Consultoria, afirmou que os dois planos de governo não sinalizam nada de concreto. “Não são peças a serem levadas 100% a sério, mas há uma diferença muito grande entre os dois. O Paulo Guedes (criador do plano de Bolsonaro) quer privatizar a maior parte das estatais, mas isso depende do interesse do setor privado. O PT tem uma característica estatizante, mas o Haddad tem uma formação em economia mais esclarecida nessa área. Com a necessidade de formar alianças, os planos podem mudar”, alertou.
Relevância
A privatização ganhou relevância, segundo o ex-ministro de Infraestrutura do governo Collor João Eduardo Santana, porque o Estado está quebrado. “Todas as estatais pesam aos cofres públicos. Nas deficitárias, é dinheiro na veia. Mesmo as que geram receita precisam de injeção de capital”, lembrou. O especialista disse que o diagnóstico de Bolsonaro é mais claro, com venda, extinção e manutenção de estratégicas. “O PT fala em rever a posição sobre algumas estatais, mas também não diz quais”, pontuou.
O presidente da InterB, Claudio Frischtak, criticou a ideia de Bolsonaro de fazer as privatizações de forma rápida. “O processo de desestatização demora de cinco a 10 anos. São muitas estatais, cada uma com sua peculiaridade. Algumas sequer têm valor”, sublinhou. O especialista considerou “muito difícil Haddad embarcar num cronograma de desestatização”. “A verdade é que nenhuma das campanhas teve tempo para estruturar um programa com começo, meio e fim.
Dois extremos
Nem uma coisa nem outra. É a opinião de Claudio Porto, diretor da Macroplan Consultoria, sobre os projetos de governo dos dois candidatos à Presidência para as estatais. “Seguramente reestatizar é um retrocesso e não tem sentido econômico. O caminho adequado é o da privatização. Mas isso tem que ser feito com método e com tempo. É inadequado vender a toque de caixa, porque sinaliza pressa ao mercado e deprecia o preço dos ativos”, alertou. Além disso, segundo Porto, existe uma barreira operacional muito grande. ” Uma coisa é vender uma empresa privada, outra é privatizar dentro do marco legal brasileiro. A estratégia correta é desenvolver um programa plurianual de privatizações”, defendeu.